LÍGIA FORMENTI / BRASÍLIA (ESTADÃO)
Com sua saída do governo dada como certa para ceder espaço a um nome do PMDB, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, considera que o atendimento público de saúde pode entrar em colapso no próximo ano, por falta de dinheiro. "Estando eu à frente do Ministério da Saúde, ou qualquer outro gestor público, com mais ou menos experiência, com mais ou menos compromisso, o que se aponta é uma situação inadministrável."
Para Chioro, aprovado o Projeto da Lei Orçamentária da forma como foi enviado ao Congresso, os recursos para pagar despesas hospitalares, ambulância e atendimentos médicos chegariam ao fim em setembro de 2016, deixando três meses descobertos.
Como foi receber a notícia de que seu cargo é negociado para tentar assegurar maior apoio ao governo no Congresso?
O cargo de ministro é delegação que pertence à presidente Dilma Rousseff. Vou continuar como ministro até o último segundo, exercendo da melhor forma possível minhas funções. Este último segundo pode ser na semana que vem, no fim do ano ou no fim de 2018. Quem tem experiência de gestão pública sabe que o cargo não depende dele. Sem chavão, enquanto puder ajudar o País, vou exercer plenamente o cargo de ministro.
Atuais políticas públicas podem ser prejudicadas se o sr. for sucedido por um peemedebista?
Essa pergunta tem de ser feita a quem conduz o processo de reforma política que está sendo feita. Quando fui convidado a assumir o Ministério da Saúde, talvez questionassem também se eu teria condições de assumir a tarefa. Nesse tempo todo que fiquei no ministério, me esforcei para isso. Procurei construir uma equipe competente, compromissada, estabelecer uma relação de confiança e transparência com todos os atores do Sistema Único de Saúde. Estou muito tranquilo em relação a isso.
Quando o senhor vai conversar com a presidente?
Quando ela me chamar para conversar.
Numa reunião com secretários estaduais e municipais, o senhor fez um discurso preocupado sobre os recursos para a área de saúde no próximo ano. Por quê?
Não temos neste momento, da maneira como o Projeto de Lei Orçamentária foi encaminhado para o Congresso, recursos suficientes para financiar ações de média e alta complexidade. A verba termina em outubro. Essa é uma situação que nunca foi vivida pelo Sistema Único de Saúde nos seus 25 anos. Ela aponta para um verdadeiro colapso na área.
O que pode ocorrer?
Um colapso no sistema. UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), Samus, hospitais, prontos-socorros, transplantes, serviços de hemodiálise, serviços de análises clínicas não terão recursos para funcionar. As Santas Casas, as prefeituras e os governos estaduais não terão condições de colocar em funcionamento a operação de serviços sem três meses de repasses.
Qual a origem do problema?
Esse é um problema de subfinanciamento estrutural, um problema que venho destacando desde o primeiro momento em que assumi o comando da pasta. Fiz diversas manifestações sobre a necessidade de se discutir o tema. O sistema de saúde ainda vive um processo de expansão de oferta, com impacto significativo no custeio, com incorporação de novas tecnologias, mudança do perfil epidemiológico, por exemplo. Tudo isso exige mais do sistema de saúde. Além do financiamento de médio e longo prazo, há um desafio imediato. O orçamento de 2016 mostra a necessidade de se lastrear R$ 9 bilhões para média e alta complexidade, equivalente a 10% do orçamento reservado para a pasta.
Quais seriam as alternativas?
Apresentamos ao Ministério do Planejamento a possibilidade de reestruturação do uso de recursos do DPVAT (Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres). Também me reuni com o relator geral do orçamento, Ricardo Barros (PP-PR), mostrando que ele também pode produzir mudanças na destinação de recursos de custeio. Considero pouco provável que a solução de destinar integralmente as emendas impositivas para média e alta complexidade possam equacionar o problema. Será necessária uma ampla discussão na área econômica e com parlamentares no momento que iniciam o processo de discussão da lei orçamentária para encontrar uma solução. Não é possível que fiquemos sem repasse três meses em 2016. É inadministrável uma situação como essa no sistema de saúde do País.
O senhor não foi ouvido por colegas de governo?
Há, em parte da opinião pública e dirigentes de várias esferas de governo, uma percepção de que o problema da saúde é de gestão e que melhorando a qualidade da gestão é possível resolver a questão do financiamento. Defendo, sem dúvida, aprimorarmos a forma como cada centavo na área de saúde é gasto. Mas o subfinanciamento é inquestionável. É impossível, só melhorando a gestão, dar conta de garantir as ações que são necessárias para garantir saúde à população. Isso precisa ser debatido por todos. Congresso, sociedade e o governo têm de fazer a discussão sobre qual sistema de saúde o País deve ter. Mas do que nunca isso precisa ser colocado. Um dos méritos do meu esforço, às vezes quase solitário, foi de ter colocado na pauta de discussão nacional a necessidade de um sistema de financiamento.
E o resultado?
Esse esforço não se reflete no Projeto de Lei Orçamentária. Estando eu à frente do Ministério da Saúde, ou qualquer outro gestor público, com mais ou menos experiência, com mais ou menos compromisso, se aponta uma situação inadministrável. Eu me sinto na responsabilidade de alertar. Fiz isso no Conselho Nacional de Saúde, na Comissão Intergestores Bipartite. Não posso ser omisso. Os problemas vão aparecer a partir de outubro do ano que vem.
Vai ser possível ter o Mais Especialidades, que foi uma promessa de campanha?
Nessas circunstâncias, não. Nenhum serviço ambulatorial especializado vai funcionar no País por três meses. Nesse cenário orçamentário, não há espaço para Mais Especialidades.