O Brasil chegou a 6,5 milhões de casos prováveis de dengue, de acordo com o Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde. Os dados são provisórios e referem-se ao período de 1º de janeiro a 7 de outubro. O coeficiente de incidência é de 3.221,7 por 100 mil habitantes. A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera que taxas acima de 300 casos por 100 mil habitantes indicam epidemia.
No período, 5.536 pessoas morreram devido à doença. Outros 1.591 óbitos estão em investigação.
No mesmo período de 2023, o país confirmou 1,3 milhão de casos prováveis de dengue. De janeiro a dezembro, houve 1,6 milhão — 1.179 pessoas morreram.
Os números de janeiro a outubro de 2024 são 400% mais altos se comparados aos do mesmo período de 2023.
Apesar da incidência e dos números altos, as infecções começaram a baixar a partir da semana epidemiológica 16, que iniciou em 14 de abril. Até a 40, a última de agosto, a curva de infecções diminuiu e depois apresentou pequenas oscilações.
Neste ano, o estado de São Paulo tem 32,3% dos casos de dengue do país — 2,1 milhões. Foram registradas 1.786 mortes pela doença. Outros 831 óbitos permanecem em investigação.
Segundo o mesmo painel, a capital paulista tem 639.066 infecções por dengue com 365 mortes e outras 476 em investigação. No dia 7 deste mês, a Prefeitura de São Paulo revogou a emergência de dengue.
Dengue: O que dizem os especialistas
Para o infectologista Antonio Carlos Bandeira, membro do Comitê de Arbovirose da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e assessor técnico do Laboratório Central do Estado da Bahia, a expectativa é a de que os números da dengue continuem menos expressivos até dezembro, quando a volta do crescimento é esperada. O pico da doença deverá ocorrer de março a abril do ano que vem. De maio em diante, a tendência é cair. “Neste ano, ficamos durante muitos meses com um platô alto. Não dá para prever se isso voltará a acontecer no país”, explica.
O especialista chama a atenção para a necessidade de ações eficientes no combate à dengue em várias frentes. Uso de larvicidas, trabalho ambiental e cuidado dos pacientes com dengue, segundo Bandeira, não são suficientes.
“A maior parte dos países do mundo tem caminhado em várias frentes. Uma delas é utilizar a tecnologia dos mosquitos transgênicos. E transformar num produto de escala. Precisa chamar as empresas privadas porque o governo não tem dinheiro para resolver tudo sozinho.”
A vacinação contra a dengue deve ser implementada em larga escala. “O Ministério da Saúde fez uma vacinação muito tímida. Precisa expandir e colocar a vacina da dengue dentro do calendário do Programa Nacional de Imunizações. Isso tinha que ser rápido, para todas as pessoas. A vacina do Butantan precisa ser acelerada pela Anvisa. Vai ser uma segunda vacina muito eficaz também.”
A médica Andyane Tetila, presidente da Sociedade de Infectologia de Mato Grosso do Sul, alerta que, assim como nos outros anos, o forte calor, a umidade e as chuvas vão favorecer a proliferação do mosquito Aedes aegypti.
“Há necessidade de trabalhar as ações de prevenção de forma precoce, com início imediato, para conscientizar a população a evitar o acúmulo de água nos domicílios, além das medidas de gestão, com políticas públicas, e medidas mais novas, como o método wolbachia, para diminuir a replicação dos mosquitos”, afirma.
Segundo Tetila, a preocupação dos gestores de saúde é com a circulação dos subtipos 3 e 4 da dengue. Em 2024, prevaleceram o 1 e o 2.
“Há um risco de aumento de casos por causa da situação climática favorável, dos subtipos virais que circularam em 2024 voltarem em 2025 e encontrar muitas pessoas ainda suscetíveis, principalmente o subtipo 3, que circulou em alguns estados, e o 4, que teve alguns casos também identificados no nosso país.
Além disso, nem toda a população foi exposta aos tipos 1 e 2, e não está protegida contra uma infecção”, diz Tetila.
Na visão de Carlos Magno Fortaleza, presidente da (SPI) Sociedade Paulista de Infectologia e professor de Infectologia da Unesp, em Botucatu, a intensa atividade da dengue nos últimos dois anos foi causada por determinantes climáticos — em anos quentes, aumenta a atividade do mosquito vetor — e principalmente pelo desmonte das ações de controle de doenças que se viu durante o governo Bolsonaro.
“O governo Bolsonaro desmontou a inteligência epidemiológica e do controle de doenças do Brasil, que era admirada no mundo inteiro. Pessoas importantes dessa inteligência saíram porque não tinham possibilidade de trabalhar ou foram excluídas das linhas decisórias do Ministério da Saúde”, comenta Fortaleza.
“Além de tudo foi desmontado todo o sistema de pactuações municipais e estaduais nos quais se baseava a ação de controle de doenças no SUS. O governo federal muda, mas os governos municipais não mudam essa onda de individualismo, negacionismo, não cooperativismo, não investimento na prevenção. Isso é uma herança do bolsonarismo. A construção do SUS desde a década de 80 foi um processo harmônico. Com essa polarização e desconstrução das políticas públicas, essa harmonia não se recupera simplesmente com a boa vontade da ministra Nísia.
Fortaleza acredita que o país esteja pouco preparado para a dengue. Apesar de um número ínfimo de vacinados, a imunidade populacional pode ser um freio. “Se nós tivermos a mesma cepa circulando, grande parte da população já se infectou no ano anterior. Talvez essa imunidade populacional seja uma limitação em uma situação tão dramática como vivemos esse ano”, afirma.
Este projeto é uma parceria com a Umane, associação que apoia iniciativas no âmbito da saúde pública.
Fonte: Folhapress