A consolidação do direito à saúde e os desafios jurídicos inerentes a esta garantia são tema de artigo redigido pelo ministro do STF Flávio Dino. Ele aborda a evolução do SUS no Brasil, com especial reconhecimento social durante a pandemia de covid-19, e reflete sobre os cinco desafios jurídicos que julga essenciais para a melhor concretização do regime constitucional relativo ao direito à saúde.
Entre os obstáculos mencionados, Dino destaca a necessidade de um sistema robusto de controle de qualidade dos serviços de saúde, o combate às fake news relacionadas à saúde, questões de financiamento e arranjos federativos, a distribuição e formação de profissionais médicos, e a autonomia dos profissionais, direitos dos pacientes e competências de autarquias profissionais.
Ao citar que a humanidade vive dias de dificuldade civilizacional, o ministro propõe uma análise de como esses aspectos impactam a sociedade, enfatizando ser imperativa a atualização da tríade liberdade, igualdade e fraternidade por sobre a lógica do medo e da mentira.
ARTIGO
O STF e o direito à Saúde
Flávio Dino
1. Nos últimos anos ocorreu a consolidação de uma importante instituição nacional: o Sistema Único de Saúde (SUS). Nascido na década de 1980 e erigido ao patamar constitucional em 1988, o SUS recebeu, finalmente, o devido reconhecimento social durante a pandemia. Lembremos que até o início de 2020, o debate girava em torno da tese de extinção e substituição do SUS por vouchers, criando-se supostos planos de saúde "populares". Hoje, ninguém ousa sustentar essa tese, justamente porque o SUS, no enfrentamento à Covid-19, mostrou, por sobre os seus vários defeitos, que suas virtudes são incontáveis. Com efeito, o Sistema é acessível, capilarizado e eficiente, como mostrou na pandemia, embora ainda demande muitos aperfeiçoamentos, inclusive no terreno do controle judicial, por exemplo na prevenção e repressão a graves atos de improbidade. Denúncias acerca da má alocação e desvios dolosos na execução de recursos públicos são lamentavelmente frequentes.
2. Tive uma experiência muito intensa com a pandemia, uma vez que governava o estado do Maranhão, que findou esse trágico período com o menor percentual de mortalidade por coronavírus no país. Durante o momento mais intenso da crise, chegamos a ter 4 aviões com UTIs e a abrir 2 mil leitos exclusivos para tratamento de Covid-19, algo inimaginável sem a existência do SUS.
Com essas indispensáveis memórias, comprovamos que é graças ao SUS que milhares de vidas são salvas todos os dias, em todos os quadrantes do Brasil. É um engenho institucional vitorioso, contudo, não é imune a defeitos. Neste passo, destaco cinco desafios jurídicos que julgo essenciais para a melhor concretização do regime constitucional relativo ao Direito à Saúde no Brasil.
3. O primeiro dos desafios diz respeito ao Controle da Qualidade dos Serviços de Saúde, abrangendo os setores público e privado. A Educação, que também compartilha de semelhante desenho constitucional, institucionalizou ao longo do tempo um robusto sistema de avaliação. O mesmo não se verifica na Saúde. No período em que exerci mandato como Senador da República, apresentei - lastreado no artigo 197 da Constituição Federal - o Projeto de Lei 287/2024, que propõe um sistema de fixação de padrões de qualidade e atributos de qualificação das unidades de saúde, a exemplo do que acontece em relação às faculdades privadas e públicas, com a aplicação de testes, inspeções e a devida publicização das avaliações.
Fonte: Migalhas