Jerusa criou o Sindicato da Saúde de Jaú no fim dos anos 70, lutando contra a ditatura e o preconceito contra as mulheres: 32 anos à frente da entidade, que continua em crescimento nas bases
MATÉRIA DE CAPA - HOMENAGEM A JERUSA
A UGT-SP publicou neste mês de junho de 2024 mais uma edição do seu jornal, o UGT-SP Notícias, que chega à edição de número 68. O informativo da União Geral dos Trabalhadores de São Paulo, presidida por Amauri Mortágua, divulga notícias mensais da entidade e dos sindicatos filiados. Um destes sindicatos é o Sindicato da SaúdedeJaú, cuja presidente, Edna Alves, é vice-presidente da central sindical.
Destaque na edição para a homenagem à Maria Jerusa de Abreu, que teve a iniciativa de criar um sindicato na cidade no fim dos anos 70, quando o páis vivia sob regime ditatorial e quando os trabalhadores não tinham vez e trabalhavam jornadas abusivas, sem receber os benefícios que só vieram a fazer parte do dia a dia após muitas greves e negociações.
Jerusa conta o inicio de tudo, da descoberta para a exploração à qual ela e colegas da saúde sofriam nos hospitais, relembra as primeiras reuniões para criar uma entidade que defendesse a categoria, cita os colaboradores para que o sindicato nascesse e prosperasse, cita os preconceitos que enfrentou por ser mulher na luta sindical, fala das conquistas ao longo dos anos, das lutas e das greves necessárias para mobilizar a categoria e buscar melhor qualidade de vida... e muito mais.
ABAIXO, TRECHO DA NOTÍCIA PUBLICADA NO BOLETIM DA UGT-SP
Jerusa fala com carinho da luta que lutou por décadas, mas se sente recompensada. Em que pese o trabalhador da saúde não ter a devida valorização, ela diz que a realidade hoje é bem diferente e mais humana, incluindo jornadas menores, adicionais, folgas definidas em convenção e mais segurança no ambiente de trabalho.
“Em termos de conquistas estão todas ai, com o pessoal novo usufruindo das nossas lutas no passado. A gente foi à luta, em época de pouca informação. Só tínhamos o boletim O Fórceps e o Atenção Companheiro”, falou Jerusa, comparando com os muitos canais via internet de hoje.
“Quando a lei deu direitos à mãe-adotiva eu já tinha o benefício na convenção coletiva”, lembra a ex-presidente do SindsaúdeJaú, falando do pioneirismo na defesa dos direitos do trabalhador da saúde. “O progresso foi grande. Mas precisa buscar mais”, avisa, deixando a missão para a juventude; “O jovem precisa ter ciência de que deve se sindicalizar para buscar melhores condições de trabalho.”
ÍNTEGRA
O texto completo produzido pela assessoria de comunicação do Sindicato da Saúde de Jaú, a pedido da UGT-SP, está abaixo:
Maria Jerusa de Abreu supera preconceitos e ditadura para criar sindicato da saúde no interior paulista
Presidente do Sindicato da SaúdeJaú por 32 anos, ela ainda é dirigente da Federação da Saúde e fala do progresso na categoria graças à atuação sindical
Maria Jerusa de Abreu, 75 anos de vida, aposentada da categoria da saúde e diretora da Federação Paulista da Saúde, fez história no movimento sindical. Enfrentou o preconceito por ser mulher, por ter menos escolarização que os administradores dos hospitais, enfrentou a ditadura, mas teve forças para criar um sindicato em cidade tradicional do interior paulista. Isso em meados de 1979, época em que o Brasil era presidido por militares e perseguia sindicalistas.
Por 32 anos Jerusa conduziu o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Jau, que foi pioneiro em muitas conquistas trabalhistas. Jornada de 6 horas diárias, cesta básica, adicional noturno por todo o período e adicional de insalubridade foram benefícios negociados com o patrão, não sem antes organizar greves da categoria em vários momentos.
APRENDIZADO - Jerusa conta que precisou aprender o que era sindicalismo a cada dia e contou com muitos “professores” no meio, inclusive Edison Laércio de Oliveira, presidente da Federação da Saúde. Na entidade que representa mais de 700 mil trabalhadores no Estado ela foi conselheira fiscal, 1ª tesoureira e tesoureira geral por 20 anos.
Mulher, dona de casa, mãe, presidente do sindicato em Jaú, dirigente da Federação, juíza classista por seis anos... Jerusa precisava conciliar tudo isso. E ainda encontrou tempo para fazer parte de uma frente de mulheres para elaborar a Constituição de 1988, ajudando a garantir benefícios para os trabalhadores, como a licença-paternidade..
MENTE ABERTA – Sua vida sindical começou quando era técnica de radiologia em hospital oncológico em Jaú, Fundação Dr. Amaral Carvalho. Foi encaminhada para treinamento em famoso hospital da capital, o Beneficência Portuguesa. Lá, em contato com colegas, descobriu que ela e demais companheiras eram exploradas com salários abaixo do previsto e jornada de trabalho excessiva.
Na volta para Jaú, com a mente aberta e com o objetivo de buscar valorização da categoria, reuniu o pessoal do setor de radioterapia para abrir os olhos de todos para a exploração da qual eram vítimas. Como pedir aumento naquela época? Tudo começou na tarde do Dia das Mães de 1979, ou seja, há 45 anos. Num banco de jardim, no centro da cidade, aquele encontro foi o embrião do que viria a ser o Sindicato da SaúdeJaú.
Não era só aumento salarial que pleiteavam. Queriam jornada justa de 6 horas diárias e não 12 ou 13 como faziam em setor insalubre, as antigas bombas de cobalto usadas no tratamento do câncer. Atuavam sem adicional de insalubridade. Ganhavam um salário mínimo e não dois, como era em cidades maiores, como Campinas, que já tinha sindicato da saúde.
UNIÃO PELA CATEGORIA - Jerusa e as colegas perceberam que não bastaria uma CLT embaixo do braço para pleitear aumento. Foram alertadas sobre isso por um sindicalista do setor metalúrgico. Por meio desse colega Jerusa foi apresentada ao advogado Agostinho de Oliveira, que passar a orientar os caminhos para se abrir um sindicato.
Os contatos com colegas de outros setores do Hospital Amaral e de outros três hospitais da cidade eram feitos na surdina. “Não podia fazer de forma aberta, senão a gente seria mandada embora e ia acabar com a tentativa de criar o sindicato.” Nova reunião, já com mais adesões de trabalhadores, decidiu-se por fundar uma associação, criada em 12 de junho de 1979. É esta a data que consta na ficha de Jerusa ao sindicato.
Menos de um ano e meio depois, em 25 de novembro de 1980, Jerusa recebia a Carta Sindical. O sindicato nascia naquele momento. Antes, porém, a associação aglutinava sócios para obter recursos. Funcionava em sala emprestada dos metalúrgicos e esclarecia a todos que a união de todos era necessária para fortalecer as lutas..
DEBOCHE DO PROVEDOR – Já naquela época as assembleias sentiam a fala dos associados. Por isso, o Jurídico foi até a Santa Casa de Jahu pedir para entrar e colher assinaturas para a fundação da entidade. O provedor permitiu, mas só depois de debochar de Jerusa.
“Pode deixar passar o livro, com mulher à frente e sem estudo isso não vai durar seis meses”, relembra Jerusa sobre que ouviu naquele dia do administrador hospitalar. “Isso marca”, diz ela, acrescentando que em negociações futuras tinha de se impor e falar alto para fazer valer seus argumentos em prol dos benefícios para a categoria.
PROGRESSO PARA CATEGORIA - Logo na primeira eleição da diretoria do sindicato, Jerusa teve de enfrentar uma chapa de oposição. “Era oposição de laranjas, com pessoas de chefia indicadas pelos hospitais. Nem tive medo, tinha a confiança dos trabalhadores, eles botavam firmeza no nosso trabalho e esperavam por melhorias.”
Jerusa foi eleita, reeleita e venceu outras vezes. Só deixou a presidência do Sindicato da SaúdeJaú em 2011, ciente de que o trabalho feito até então magnífico e precisava de uma dirigente nova, com mais gás e pronta para elevar o sindicato a um patamar mais alto. Edna Alves, que foi vice em dois mandatos, foi eleita e dirige o sindicato até hoje,
Quando Jerusa era presidente o Sindicato conseguiu instalar uma clínica dentária, com equipamentos doados pela Federação e pelo Ministério do Trabalho. Também angariou recursos ara adquirir área e transformar no clube da categoria. O Recanto da Saúde melhorou ano após ano e hoje é um oásis de tranquilidade que a categoria merece.
Em 1995 conseguiu comprar uma casa e instalar a sede própria, onde ficou até 2023. Atualmente está em sede ampla e condizente à categoria. Anexa à administração funciona a Sindclínica de Saúde e Beleza, por onde passam centenas de sócios e dependentes por semana em busca de atendimentos.
“O jovem precisa ter ciência de que deve se sindicalizar para buscar melhores condições de trabalho.” (Maria Jerusa de Abreu)
NEGOCIAÇÕES E GREVES – Nas negociações nos anos 80 era apenas com o Sindhosp, o sindicato patronal. Foram muitas quedas de braço na mesa de debates e nas ruas, com as greves. A primeira delas durou sete dias, com o quartel-general em frente da Santa Casa de Jahu. “Não foi fácil, só no Tribunal que ganhamos as seis horas que a gente pedia.”
Ações milionárias na justiça por descumprimento de convenção coletiva, aumento real de salário, jornada especial, adicional noturno em todo o período, cesta básica, adicional de insalubridade maior do que previsto na CLT, anuênio, folga em jornada 12 x 36 horas, feriado da categoria e outras conquistas fazem parte da trajetória vitoriosa de Maria Jerusa de Abreu.
ANTES DE DEPOIS – Jerusa fala com carinho da luta que lutou por décadas, mas se sente recompensada. Em que pese o trabalhador da saúde não ter a devida valorização, ela diz que a realidade hoje é bem diferente e mais humana, incluindo jornadas menores, adicionais, folgas definidas em convenção e mais segurança no ambiente de trabalho.
“Em termos de conquistas estão todas ai, com o pessoal novo usufruindo das nossas lutas no passado. A gente foi à luta, em época de pouca informação. Só tínhamos o boletim O Fórceps e o Atenção Companheiro”, falou Jerusa, comparando com os muitos canais via internet de hoje.
“Quando a lei deu direitos à mãe-adotiva eu já tinha o benefício na convenção coletiva”, lembra a ex-presidente do Sindicato da SaúdeJaú, falando do pioneirismo na defesa dos direitos do trabalhador da saúde. “O progresso foi grande. Mas precisa buscar mais”, avisa, deixando a missão para a juventude; “O jovem precisa ter ciência de que deve se sindicalizar para buscar melhores condições de trabalho.”
Maria Jerusa de Abreu
Data de nascimento: 15/06/1949
Filiada ao Sindicato da Saúde: 12/06/1979
Profissão: técnica de radiologia aposentada
Ex-presidente do Sindicato da Saúde de Jaú por 32 anos
Dirigente da Federação Paulista de Saúde desde 1980