Sou uma defensora da licença-parentalidade como benefício para crianças, mulheres e homens. Em uma sociedade ideal, a licença com igual tempo de duração após o nascimento do bebê garantiria cuidados ao recém-nascido, mais tranquilidade para a mãe, e igualdade de oportunidades no mercado de trabalho entre homens e mulheres.
Mas, no mundo real, o que temos são direitos trabalhistas divididos conforme cor, raça, profissão, renda e até local onde moram as mães. Por lei, a licença-maternidade no Brasil é de até 120 dias, sendo estendida para até 180 dias no programa Empresa Cidadã.
Os 180 dias estão garantidos a um nicho específico da sociedade. Mães de categorias historicamente melhores organizadas como bancárias, professoras públicas e servidoras federais, entre outras, têm garantidos os seis meses de afastamento, sem prejuízo do salário.
Mulheres da iniciativa privada contam com quatro meses. A mesma regra vale para autônomas, contribuintes individuais, MEIs (Microempreendedoras Individuais) e donas de casa de baixa renda que pagam o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Para o homem, por lei, a licença-paternidade é de cinco dias. Há empresas que garantem 15 dias e a as que estão equiparando o benefício à licença-maternidade, ofertando 120 dias.
Ocorre que mulheres vulneráveis às diferenças sociais de cor, raça e localidade —à margem da sociedade— não têm nem mesmo o direito de ficar com seu filho pelo período mínimo de quatro meses. Se forem autônomas e não contribuírem com a Previdência Social, a forma de ter renda é trabalhar dias após parto.
Essas mulheres jamais serão beneficiadas pela licença-parentalidade, porque, em geral, esses pais não estão presentes. Ou somem, ou moram em casa, mas são ausentes, ou mesmo que sejam cientes de suas obrigações paternas, não conseguem exercer a parentalidade por trabalharem longe e ficarem muitas horas fora de casa no trânsito e no transporte lotado das grandes capitais.
Preocupam-me esses recortes de direitos sem aprofundar exclusões históricas da sociedade brasileira, última a abolir a escravidão. Enquanto não tratarmos profundamente as questões de cor e raça, não haverá direitos iguais para as mulheres.
Movimentos organizados têm conquistado importantes avanços, mas a crescente falta de direitos a mulheres negras —pretas e pardas— ante ao que é garantido a brancas segue. Decisão recente do STF (Supremo Tribunal Federal) amplia a licença para servidoras temporárias.
Há ainda o debate sobre a licença-parentalidade que ganhou força. Neste último caso, mulheres levantam a bandeira, mesmo que os homens não estejam tão ocupados nesta defesa.
Sonho com uma sociedade que ouse garantir a todas nós, no papel e de fato, os seis meses mínimo de licença para que possamos cumprir o que determina as recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde) e amamentar nossos bebês de forma exclusiva ao seio por seis meses, em abundância e livre demanda. Resolveríamos muitos problemas de saúde, atuais e futuros.
Quanto aos homens, convoco-os para que, antes das leis, façam seus papéis de pais, independentemente do modelo de relacionamento adotado. Não esqueçamos que nos países europeus onde a licença-parentalidade foi adotada, homens em casa aproveitam o tempo livre para estudo e lazer, delegando à mãe cansada, exausta, trabalhadora e, muitas vezes, sem direitos, as tarefas domésticas e os cuidados com os filhos.
A mudança, talvez utópica, fará diferença. Claudia Goldin, vencedora do Nobel de Economia por seu estudos sobre as questões de gênero no mercado de trabalho, e a escritora norte-americana bell hooks, autora do célebre "E eu não sou uma mulher?", agradeceriam. Nós também.