Sobreviver não está sendo nada fácil para milhões de brasileiros e brasileiras que veem no subemprego e no bico uma forma de conseguir algum trocado para não passarem fome. A situação econômica do país é tão grave que a queda no desemprego anunciada com estardalhaço pelo governo federal esconde, na verdade, uma tragédia social.
A maioria dos empregos gerados de maio de 2021 a maio de 2022, foram para profissões de baixa remuneração. A campeã foi a dos faxineiros que, no período, criou 163,4 mil novos postos de trabalho, ou 6,15% de todas as vagas geradas no país com carteira assinada (2,66 milhões), segundo análise feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a partir dos dados oficiais do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Previdência, a pedido do G1.
O mesmo estudo revela que, juntas, 128 de 140 categorias profissionais responsáveis por 72% das vagas criadas com carteira assinada no país, estão com remuneração média abaixo da inflação acumulada em 12 meses. Entre os que mais perderam renda estão motoristas de ônibus urbano e auxiliar administrativo, com perda real de 19%. Na outra ponta, quem teve uma valorização maior foram os médicos clínicos cujo salário de admissão teve ganho real de 35,6% em um ano.
Enquanto a inflação dispara, a renda média de trabalhadores e trabalhadoras brasileiros caiu 8%. Nos últimos anos, a moeda brasileira perdeu mais de 30% de seu poder de compra. O custo do conjunto básico de alimentos teve um aumento ainda maior: em São Paulo esse aumento foi de quase 50%.
Leia mais Leite aumenta entre 35% a 90% nos estados, enquanto renda do trabalhador encolhe
Em linhas gerais, a análise dos números do Caged é a reafirmação da tragédia que significou a reforma Trabalhista de 2017, o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), e as políticas de Jair Bolsonaro (PL) em que o trabalhador tem menos direitos, afirma o secretário de Administração e Finanças da CUT Nacional, Ariovaldo de Camargo.
“São poucas vagas criadas e com salários menores. A formas de contratações são piores, não necessitam de mão de obra especializada do ponto de vista acadêmico e de formação profissional, daí a baixa remuneração”, diz Ariovaldo.
Hoje, o trabalhador não tem perspectiva de encontrar uma remuneração que resolva seu problema financeiro, que dê a valorização necessária para que ele possa desenvolver a sua vida, como vivenciamos no início da década passada- Ariovaldo de Camargo
Para o economista Marcio Pochmann, a retomada dos empregos nada mais é do que o retorno ao trabalho do setor de serviços mais impactado com a pandemia, pelo fechamento de comércios e a menor circulação de pessoas nas ruas. A flexibilização das regras para conter a Covid-19 fez com que as atividades normalizassem e os empregos que estavam retraídos começaram a voltar, o que segundo o economista, não significa retomada de crescimento nem, como mostra o estudo da CNC, a melhoria das condições de renda do trabalhador.
“Com a diminuição da gravidade dos casos de Covid, graças à vacinação, a população está indo mais às ruas e para sobreviver faz de tudo, principalmente vendas de alimentos e entregas por aplicativos. Nós ainda não voltamos ao nível de emprego registrado em 2014”, diz Pochmann.
Essa volta não é de novos empregos, mas é a volta do que havia sido paralisado e não está associado a qualquer impulso econômico mais vigoroso. Na verdade, os dados do Caged revelam uma grande dificuldade de recuperação- Marcio Pochmann
A recuperação da renda e do emprego para o trabalhador passa pela volta da política de valorização do salário mínimo, que o atual governo terminou, entre outras ações, defende o secretário da CUT Nacional.
“O levantamento da CNC é a confirmação de que, com a reforma Trabalhista, teríamos emprego de péssima qualidade, perda de remuneração e, em especial, a precarização de uma grande parte da sociedade. Quase a metade dos trabalhadores não tem emprego formal, e uma hora o preço a ser cobrado será muito alto”, avalia Ariovaldo de Camargo.
O resultado das altas taxas de desemprego, da baixa remuneração e alta da inflação é que cada vez mais famílias estão endividadas. A inadimplência chega a 58% nas famílias com renda de até R$ 2.100. Ou seja, uma em cada três famílias brasileiras possui dívidas em atraso, e a alta da inflação é apontada como o principal fator para que essas despesas não sejam pagas em dia, segundo sondagem especial realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre).
Para piorar, segundo Ariovaldo, o governo abre crédito consignado para quem vai receber os R$ 600 do Auxílio Brasil até o final do ano e para os beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e ainda apresenta projeto para que as pessoas possam penhorar a casa própria aos bancos.
“O governo está induzindo uma parcela da sociedade que recebe auxílios e, portanto, é a mais vulnerável, a se endividar para superar a fome, mas o valor é momentâneo, e lá na frente essas pessoas não terão condições de resolver a dívida e terão até o imóvel confiscado”, critica o dirigente da CUT Nacional.
Leia mais: PEC do Desespero não combate a fome e não vai melhorar orçamento das famílias
Esse conjunto de tragédias que se abate sobre a população é resultado de uma política econômica errada do governo federal, diz o economista Marcio Pochmann. De acordo com ele, as atividades econômicas de natureza capitalista têm dificuldade de se expandir num país que tem um contingente imenso de sobra de mão de obra e de pessoas fazendo bicos para sobreviver.
“O IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] diz que [os empregos informais] são ocupações, mas é a reação das pessoas na busca de algum ganho para vida que, necessariamente, não está associado ao desempenho econômico que eleve a demanda da força de trabalho. São estratégias de sobrevivência para quem depende de salário”, explica o economista.
Para Marcio Pochmann, o problema do desemprego, da inflação e o endividamento das famílias é de natureza política.
“Temos terra para plantar, temos reservas financeiras internas e externas, temos mão de obra qualificada e obras inacabadas. O problema é político, a partir do momento em que o empresariado desconfia do que vai ocorrer na economia nos próximos anos, e só uma nova política pode resolver”, afirma o economista.
Maquiagem dos dados de emprego
O governo maquia os dados do emprego desde que mudou a fórmula de cálculo Cadastro Geral de Empregados e Desempregado (Caged). Antes do golpe, em 2016, o Caged, que registra as demissões e admissões de trabalhadores, informadas pelas empresas, contabilizava apenas empregos formais, com carteira assinada e por prazo indeterminado. Depois da destituição da presidenta Dilma, passou a contabilizar também a nova modalidade de contratos, os intermitentes, legalizados pela reforma Trabalhista de Michel Temer (MDB-SP), e os aprendizes.
O contrato intermitente é contabilizado pelo Caged apesar de permitir que o patrão chame o trabalhador apenas quando precisar. Pode ser apenas nos fins de semana, por exemplo, ou quando a produção aumentar. O empregado não trabalha os 21 dias úteis de cada mês e pode ganhar menos de um salário mínimo (R$ 1.212) por mês.
“O novo Caged rompe com qualquer abordagem comparativa com o passado. Os dados apresentados não podem ser comparados com outra série histórica de emprego quando o país estava bem economicamente”, ressalta Pochmann.
Fonte: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz - CUT / Foto: Roberto Parizotti - 12/07/2022