As fake news estão na mira dos agentes de saúde e de endemias. Esses servidores públicos vão ganhar uma ferramenta extra para combater as notícias falsas. Trata-se do projeto A Casa, que vai disponibilizar gratuitamente cursos, oficinas, palestras e lives a esses trabalhadores para atualização profissional. Tudo num ambiente virtual, para alcançar todas as 5.570 cidades do Brasil.
A ideia é que a plataforma e as redes sociais criadas pelo projeto proporcionem troca de experiências entre agentes de diferentes estados e ajudem a reciclar o conhecimento científico em questões de saúde —como a prevenção e acompanhamento de doenças—, e de endemias —como a proliferação de dengue, malária, zika, doença de Chagas e novas cepas de Covid-19, por exemplo.
Tudo isso para que esses profissionais, elo entre o cidadão e o SUS (Sistema Único de Saúde), não propaguem notícias falsas que possam prejudicar a saúde da população.
Os agentes consultados pela reportagem listaram algumas dessas fake news que circulam pelos municípios e devem ser combatidas.
Eles citaram, por exemplo, as notícias falsas: "Macaco com febre amarela transmite a doença para pessoas"; "Vacina da tríplice viral causa autismo; a da gripe provoca gripe; as contra sarampo e coqueluche provocam microcefalia"; "Adesivo para pele é capaz de curar diabetes"; "Chá de erva-doce cura a gripe".
Antônio Alves Campelo, 61, durante visita a uma casa em Altos (PI) - Roberto Setton/Divulgação
Com a plataforma, o objetivo é que esses servidores sejam também agentes no combate a essas e outras fake news, segundo Camila Benvenuto, diretora-executiva do projeto A Casa e representante do Ipads (Instituto de Pesquisa e Apoio ao Desenvolvimento Social).
"O projeto disponibiliza linguagem simples e acessível sobre temas científicos. A intenção é criar espaço acolhedor para compartilhar experiências de boas práticas. E esses agentes, que também poderão contar suas histórias nas redes sociais, são fundamentais para levar informação embasada para a casa das pessoas."
Camila explica que as oficinas e cursos terão materiais de apoio para acesso a qualquer momento, enquanto as palestras e lives serão ministradas por profissionais ligados à área em discussão, como infectologistas, epidemiologistas e psiquiatras, entre outros.
"Vamos trazer especialistas para debater temas de relevância e pesquisas de interesse dos agentes. Além, claro, de assuntos que estejam pipocando naquele momento, como a alta recente da dengue em algumas regiões", afirma Camila.
A primeira live —nesta segunda (16), quando o projeto será lançado oficialmente—, aborda a saúde mental. O tema surgiu após questionário feito por A Casa com 295 agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias das cinco regiões do país.
A pandemia mexeu com o psicológico dos agentes, afirma Ilda Angélica Correia, presidente do Conacs (Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde).
"Não há muito preparo oferecido por parte do poder público. Por isso, esse projeto potencializa a ação dos agentes e os encoraja a estarem em suas comunidades fortalecidos para o combate às doenças e às notícias enganosas, que são muitas ainda."
O Conacs, segundo Ilda, estima que o Brasil tenha cerca de 300 mil agentes de saúde e 100 mil de combate às endemias.
Outros temas de interesse dos agentes, segundo a pesquisa, são saúde do idoso, da mulher, calendário vacinal e cuidado com a pessoa com deficiência.
A agente comunitária de saúde Lígia Santos, 46, está disposta a assistir à transmissão sobre saúde mental. "Pretendo participar das lives para passar informação correta adiante. Temos que estar sempre atualizados. Isso nos permite crescer profissionalmente e ajudamos as pessoas de forma mais efetiva."
Para Lígia, os agentes estão desassistidos de apoio psicológico, em especial na pandemia. "Muitas vezes somos esquecidos. Mas temos papel acolhedor essencial no dia a dia das pessoas que visitamos, e elas têm muitas demandas. Nos deparamos com muita desigualdade social, nos abala. Então, precisamos de suporte para atuar com a população", diz a agente de saúde de Conceição de Macabu (RJ).
Agente comunitário de saúde desde 1991, Antônio Alves Campelo, 61, afirma que está satisfeito com seu trabalho. Para ele, ser agente é um serviço relevante, mas é fundamental se atualizar.
"Informação é poder. Esse projeto é importante para nossa categoria, porque vai nos municiar de dados realistas", afirma Campelo, que atua em Altos (PI), onde circula por estradas de terra com motocicleta.
Ele diz que combater as fake news é cansativo e que elas ficaram mais evidentes na pandemia. Isso, segundo o agente, também prejudica a saúde mental. Mas ele afirma que sua função é voltada para a orientação da população em espécie de negociação.
"É um trabalho incansável de convencimento da importância da vacina, do uso de máscaras. Muitos ainda são resistentes. Estamos com aquela filosofia do ditado: ‘água mole em pedra dura tanto bate até que fura’. E A Casa vai nos munir ainda mais para furar essa pedra."
Os servidores estão empolgados com a plataforma, segundo Josenilson Vicente, agente de combate às endemias em Natal (RN) e membro da diretoria da Conacs. "Ninguém quer ficar para trás. Além de qualificar os agentes, a plataforma vai ajudar na atualização de questões epidemiológicas, que mudam o tempo todo. Isso ficou bem evidente com a Covid. "
O projeto é uma associação entre o Ipads, o Conacs e o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), mas o valor do investimento não foi informado.
EM TODO TERRITÓRIO NACIONAL
A Casa vai chegar aos agentes de todo o território nacional por meio do Conacs e do Conasems, que farão alertas das atividades aos municípios e esses, por consequência, aos agentes.
Alessandro Aldrin Pinheiro Chagas, representante do Conasems, afirma que alguns agentes vão receber um treinamento de marketing ao longo de um ano para, em seguida, assumir a gerência das redes sociais criadas pelo projeto.
"Eles vão aprimorar as páginas e abastecê-las com novidades e alertas. Os agentes serão protagonistas. É uma evolução no sistema público e uma forma de reconhecer esses profissionais", diz.
Fonte: Folha de SP