Pesquisa inédita publicada nesta quarta (2) aponta que mudanças no INSS a partir de 2018 geraram perda da proteção dos brasileiros que buscam voltar ao mercado de trabalho após adoecimento, lesão ou acidente.
O estudo "As transformações recentes no Programa de Reabilitação Profissional do INSS", publicado na revista científica "Trabalho, Educação & Saúde", analisou os manuais técnicos de procedimentos do Programa de Reabilitação Profissional do órgão, publicados em 2011, 2016 e 2018.
Os autores mostram que o programa, voltado para a reinserção profissional de trabalhadores que recebem benefícios como o auxílio-doença, sofreu um processo de desestruturação a partir de 2018 e passou a levar em conta apenas a saúde física do segurado, deixando de lado aspectos como a integração social e econômica.
A pesquisa foi conduzida pela analista do INSS e mestre em sociologia Kelen Clemente Silva e por Fernando Kulaitis, professor de sociologia da UEL (Universidade Estadual de Londrina).
A principal mudança, segundo os autores, ocorreu em 2018, a partir da concentração do poder de avaliação do paciente e de decisão nas mãos dos peritos médicos, determinada pelo órgão naquele ano.
Antes, decisões como a aptidão do segurado para participar do programa ou quais novos trabalhos ele poderia exercer eram tomadas em conjunto, com a presença do trabalhador, o médico e um profissional de referência, como psicólogo, fisioterapeuta, assistente social ou psiquiatra. Pesavam-se critérios sociais, econômicos e culturais, além de seu potencial e aptidões, segundo o estudo.
"Esse foi o maior problema que encontramos: as decisões agora ficarem concentradas no médico perito, desconfigurando toda a proteção a saúde do trabalhador. O segurado fica desprotegido porque não tem mais uma avaliação da escolaridade, do perfil, de onde mora, sua questão familiar. O perito avalia só a restrição física", diz Silva. "As outras questões que interferem no retorno ao trabalho não são consideradas."
No longo prazo, a pesquisadora avalia que a mudança resulta em dificuldades para o trabalhador se reinserir no mercado de trabalho, tornando-o sujeito a trabalhos mais precários e mais suscetível a voltar a depender da assistência social.
Adriane Bramante, do IBPD (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), afirma que o auxílio-doença é hoje o benefício do INSS mais judicializado, por razões que incluem a qualidade das perícias, a falta de informações da atividade habitual dos trabalhadores e exames médicos desatualizados.
"O processo de reabilitação do INSS sempre foi muito precário e pouco traz de resultado efetivo aos que a ele se submetem. Entendo que essa desestruturação desde 2018 contribuiu para agravar este serviço disponibilizado aos trabalhadores. Não acredito que seja a causa única, mas pode ter contribuído para piorar", diz Bramante.
O advogado previdenciário Wagner Souza, do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), avalia que os problemas do programa de recolocação antecedem as mudanças de 2018, mas foram intensificados pela pandemia e suspensão temporária de atividades presenciais do órgão.
"Antes das mudanças o programa já tinha muitas falhas de execução e era comum que o INSS não o implantasse de maneira efetiva, mesmo diante de trabalhadores que não tinham mais como exercer a função de antes. E muitas vezes o ônus de fazer essa reabilitação era da própria empresa, embora seja obrigação do INSS."
O advogado aponta o corte indevido de benefícios de segurados que não estão prontos para retornar ao trabalho como principal causa de ações contra o órgão, muitas vezes reconhecido nos tribunais. Ele concorda que a limitação da análise pela saúde física contribui para o cenário. "De fato se foca muito nos aspectos médicos, por isso defendemos uma avaliação multidimensional, que avalie as reais chances daquele trabalhador se reinserir no mercado, considerando fatores como o estigma de certas doenças em cidades pequenas, a idade avançada e baixa qualificação, fatores que podem ser impeditivos para a conseguir outra vaga."
Para Luiz Carlos Argolo, presidente da ANMP (Associação Nacional dos Médicos Peritos), mudanças no mercado de trabalho e o desenvolvimento de um mercado informal com profissionais de baixa escolaridade resultaram em maior dificuldade no desenvolvimento de programas de recolocação profissional do INSS. "Tais fatores sim têm implicado na perda da proteção social", diz Argolo.
O médico defende ainda que avaliações como o reconhecimento da incapacidade para o trabalho são prerrogativa da categoria, conforme a legislação.
Fonte: Folha