O ano começou com preocupação de norte a sul do país. A trégua que a Covid parecia dar no fim de 2021 deixou todo mundo aliviado. Vieram encontros com familiares e amigos sem uso de máscara, mas dois inimigos traiçoeiros estavam à espreita: o vírus da gripe e uma variante da Covid muito contagiosa.
As pessoas adoecem e, como não acham testes para saber o que têm, correm para o pronto-socorro. Isso sobrecarrega os hospitais e, principalmente, as enfermeiras. Cabe a elas o trabalho mais pesado.
“É um sentimento de frustração, um sentimento de insegurança, um sentimento de angústia”, diz Ana Carolina, que trabalha na região metropolitana do Recife. Ela está na linha de frente desde o começo da pandemia.
A Secretaria de Saúde de Pernambuco registrou nas últimas semanas mais de 200% de aumento nas solicitações de vagas em UTI. Ana e as colegas observam os efeitos disso na prática.
Drauzio Varella: Em um plantão de 12 horas, você não para um minuto?
Ana: Por lei, a gente tem três horas de descanso. O que eu percebo hoje é que a gente trabalha o tempo todo, porque a gente fica pensando no paciente que deixou. A gente fica pensando numa conversa com um acompanhante que a gente teve, e a gente não consegue desligar fácil. Muitas vezes, a gente inclusive vira sem conseguir dormir.
“Durante a pandemia, o número de profissionais de saúde infectados na América Latina foi cerca de três vezes maior do que o número de profissionais de saúde na Europa, Estados Unidos e Canadá”, lembra o médico sanitarista e epidemiologista Jarbas Barbosa, vice-diretor geral da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).
No Brasil, o avanço da vacinação tem ajudado a evitar uma avalanche de casos graves, com internações e óbitos. Mas a Opas ressalta a necessidade de reforçar os protocolos adotados nos piores momentos da pandemia.
“Mantenham o uso de máscara e evitem aglomerações. Isso tem que ser a resposta nossa. E até uma atitude de respeito aos profissionais de saúde”, pede Barbosa.
Como boa parte do pessoal de enfermagem, Daniele Leal acumula empregos em dois hospitais do Rio de Janeiro para aumentar a renda. Para ela, virou rotina fazer um plantão atrás do outro, inclusive pra diminuir os riscos para a família.
Drauzio Varella: você teve medo de infectar os filhos, o seu marido?
Daniele: Meu filho mais novo ficou doente. Ele chegou a ficar doente, e aí você começa a se culpar. De repente, pensa até em sair dessa profissão, falar “não, já pensou se acontece uma coisa com meu filho?”.
As condições de trabalho de enfermeiras e enfermeiros vem sendo estudadas pela Fiocruz. Segundo a pesquisa, 85% por cento das profissionais da área são mulheres. A maioria de pretas, pardas e moradoras da periferia.
Margarete Braga é enfermeira em belo horizonte e, apesar das dificuldades, segue na linha de frente.
“Se antes a gente triava 50, agora a gente está triando 150. Eu não sei se vou aguentar passar por tudo de novo. Eu não quero. Eu não quero ver uma pessoa entrar dentro da triagem, conversar comigo, e eu não poder falar com um parente ‘Olha, abraça a sua mãe, porque talvez você não vai encontrá-la mais’. Teve um caso, uma senhora entrou na triagem comigo à tarde. Ela estava dessaturando, e com o filho do lado. Eu queria falar para ele ‘abraça a sua mãe, porque talvez você não vai encontrá-la mais", mas eu não podia falar por causa da ética. Eu não quero passar por isso de novo, não.”
As mulheres e os homens que se dedicam à enfermagem estão entre as pessoas mais generosas da sociedade. Ganham mal e muitas vezes não têm condições adequadas de trabalho.
Públicos ou privados, os serviços de saúde precisam oferecer valorização e salários dignos. Quando você entra em aglomerações, sai sem máscara ou deixa de tomar vacina, saiba que são as enfermeiras que vão arcar com o peso da sua irresponsabilidade.
Fonte: G1