O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enviou, para a Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (7), um documento com análise de uma série de pontos considerados problemáticos de um texto preliminar de projeto de lei que altera as regras para os planos de saúde. A análise foi enviada para o deputado Hiran Gonçalves (PP/RR), autor de um texto substitutivo a 250 propostas parlamentares que visam alterar a Lei de Planos de Saúde de 1998. O teor da minuta circula entre os parlamentares da Comissão Especial dos Planos de Saúde, criada em julho deste ano.
Para a entidade, há uma série de pontos do texto preliminar que ferem os interesses dos consumidores. Um dos principais deles é o fim da obrigação que as empresas têm atualmente de cobrir o tratamento de todas as doenças classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Dessa forma, doenças novas ficariam de fora da cobertura até uma aprovação pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Se essa fosse a legislação para o setor privado em março de 2020, muitas pessoas que procuraram atendimento em hospitais particulares para tratar a Covid no início da pandemia acabariam tendo de pagar o tratamento do próprio bolso.
“O atendimento dependeria da aprovação da agência, o que poderia levar a um atraso muito grande na cobertura dos planos para novas doenças. Cobrir exames, consultas e internações para doenças novas dependeria da agência”, afirma a advogada e coordenadora do programa de saúde do Idec, Ana Carolina Navarrete.
A lei 9.656, de 1998, afirma que “é instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde”.
Planos mais simples
Essa não seria a única mudança na cobertura dos planos de saúde. Haveria ainda a permissão para que as operadoras oferecessem planos mais acessíveis, para procedimentos simples, como consultas e exames de rotina, retirando da cobertura exames mais complexos e tratamentos mais caros, como quimioterapia e hemodiálise.
“A questão é que, para fechar diagnóstico de uma doença, muitas vezes são necessários exames mais complexos. E isso também impactaria o pronto-atendimento. Se quebrar um braço, possivelmente não vai precisar de um atendimento de alta complexidade, mas o paciente ficaria excluído da cobertura. A verdade é que esse plano ofereceria muito pouco quando as pessoas realmente precisassem”, explica a advogada.
Se o resultado da venda de planos de saúde com esse perfil poderia impactar o Sistema Único de Saúde, já que os usuários da saúde privada acabariam migrando para a rede pública. “Se isso acontecer, em vez de a rede suplementar ser um apoio para a assistência de saúde, acabaria sobrecarregando o SUS”.
A proposta também cria mecanismos para aliviar as multas aplicadas às empresas em casos de negativa de atendimento, atrapalhando na investigação por casos de desrespeito. Com o envio do documento ao deputado relator da proposta, o Idec espera ampliar o debate entre a comissão e a sociedade civil. A entidade defende que o projeto de lei não pode desconsiderar o Código de Defesa do Consumidor.
Ana Carolina Navarrete lembra ainda que o setor da saúde privada vai muito bem financeiramente e faturou bem desde o início da pandemia – embora tenha lidado com internações por Covid, houve uma queda significativa na busca por consultas, procedimentos e cirurgias eletivas. “Não houve aumento na inadimplência, porque a última coisa da qual o consumidor abre mão é do plano de saúde. O que vimos com a pandemia foi um aumento na entrada de usuários, de pessoas que temem uma fila longa do SUS, que atende 3/4 dos pacientes com 40% dos leitos”.
Maior cobrança para os mais velhos
Outro ponto polêmico do texto substitutivo é uma alteração no Estatuto do Idoso, que proíbe a discriminação por idade na cobrança aos usuários com mais de 60 anos. Atualmente, a cobrança é a mesma para uma pessoa com 61 ou 90 anos. Mas o texto que circula entre os deputados permite um “reajuste parcelado” às pessoas idosas nas últimas faixas etárias.
“Esse público perde a capacidade de pagamento com o tempo e, por outro lado, demanda um olhar mais atento em relação à saúde. É uma população mais vulnerável e especial, por isso o Estatuto do Idoso foi criado”, diz Ana Carolina.
Esse ponto do texto substitutivo chegou ao público na sexta-feira (3) e é bastante criticado por entidades que defendem os interesses dos idosos. Alguns parlamentares também se manifestaram sobre esse ponto e o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) apresentou requerimento para a realização de audiência pública conjunta para debater a importância da vedação de cobrança de valores diferenciados aos idosos.
Presidente da Rede Ibero-Americana de Associação de Idosos (RIAAM Brasil), Maria Machado Cota afirma ser revoltante ver os representantes no Legislativo tentando retirar direitos dos idosos, que trabalharam por anos e foram importantes para a produção laboral. “Se nós trabalhamos, construímos a riqueza do país, temos o direito de usufruir do que o Brasil oferece. Se eles gastassem mais com prevenção e promoção da saúde, que são baratos, não teríamos tantos problemas e necessidade de atendimento de média e alta complexidade”, afirma.
Para Maria Machado, de 73 anos, não é interessante para a rede privada o investimento na atenção primária. “Os empresários ganham fortunas em cima da doença do povo. Eles montam suas clínicas de atenção secundária e terciária e não querem investir em prevenção, por que se não deixam de ter lucro”.
A reportagem entrou em contato com o deputado Hiran Gonçalves. Na sexta-feira, ele atendeu e disse que não podia conversar por estar ocupado. Nesta terça-feira, seu celular estava desligado. A reportagem enviou um email para o gabinete do parlamentar e aguarda retorno.
Fonte: O Tempo