O momento é histórico para os mais de 2,5 milhões de profissionais da ciência do cuidado em todo o Brasil. Após mais de 30 anos de luta da categoria, o Senado votou pela regulamentação do Piso Salarial Nacional da Enfermagem. Por unanimidade, o plenário aprovou a emenda substitutiva da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) ao PL 2564/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) e de relatoria da senadora Zenaide Maia (PROS-RN).
De acordo com o texto, o piso salarial de enfermeiras e enfermeiros deve ser fixado em R$ 4.750, técnicas e técnicos deverão receber, no mínimo, 70% desse valor, e auxiliares e parteiras, 50%. Os valores deverão ser reajustados anualmente, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
O piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho é um direito assegurado pelo art. 7º da Constituição Federal. O trabalho na área da Saúde é complexo, estafante e exige forças físicas e mentais, coragem, destemor e humanidade.
A enfermagem possui 2.540.715 profissionais no Brasil. São 438.886 auxiliares, 1.476.584 técnicas e técnicos e 624.910 enfermeiras e enfermeiros. As mulheres correspondem a 85% da categoria. Mais de 60% desses trabalhadores têm até 40 anos de idade, e 27,4% trabalham em mais de um emprego para sobreviver e sustentar a família.
No setor público, 14,4% ganha somente R$ 1.000 por mês e 45% ganha, no máximo, R$ 2.000. No setor privado, 23,1% recebe apenas R$ 1.000 e 31,9% recebe até R$ 2.000 mensais. Para 66%, o exercício da profissão é desgastante.
A jornada de trabalho varia entre 41 e 60 horas semanais para 24,7% dos profissionais, e 13,9% trabalham entre 61 e 80 horas por semana. Cerca de 200 mil profissionais fazem plantões ou atividades extras para complementar a renda familiar. A taxa de desemprego atinge mais de 10% da categoria.
Diante desta realidade a que a profissão está submetida, sabemos que os valores definidos pelo PL 2564/20 não são ideais. Este piso é menos do que a enfermagem merece. Entretanto, vão nos permitir erradicar os salários miseráveis e combater a exploração da categoria. Afinal, é justamente essa a função de um piso salarial: socorrer quem mais precisa.
A criação de um piso salarial para a enfermagem, maior força da saúde brasileira, representaria uma proteção para os 2,5 milhões de profissionais que compõem a categoria, sobretudo os quase 2 milhões de técnicos e auxiliares, que estão especialmente vulneráveis aos sub-salários, como demonstram os dados da Pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil (Fiocruz, 2015). Até o ano da pesquisa, quase metade dos profissionais (45%) recebiam salários abaixo de R$ 2.000. Somente 4 em cada 100 recebiam mais de R$ 5.000.
Desde então, a situação que já era difícil tornou-se ainda pior. Segundo pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o rendimento médio dos profissionais da categoria teve redução de 11,8% durante o período que corresponde ao 4º trimestre de 2019 e de 2020. Neste mesmo intervalo de tempo, o rendimento médio real no Brasil teve encolhimento de 1%.
A aprovação do PL 2564/20 pelos senadores foi uma vitória coletiva, que nos impulsiona a ir adiante. É um avanço memorável e que nos motiva a lutar por condições dignas e justas de trabalho, bem como pela aprovação de outras demandas históricas da nossa categoria, como a jornada de trabalho e o descanso digno. A enfermagem hoje é a imagem da luta em defesa da vida e de um futuro melhor, para todas e todos.
Esse resultado apenas foi possível graças à imensa mobilização da categoria em todo o país. Por meio de lideranças, profissionais, professores, pesquisadores e estudantes, a nossa luta ganhou repercussão e nos trouxe até aqui. A força da categoria e da sociedade, seja nas ruas ou nas redes sociais, foi essencial para que fosse retumbado o grito daqueles que sonham com dias melhores. Em consulta pública do Senado, foram registradas mais de 1 milhão de manifestações favoráveis ao projeto de lei.
Não cremos que, como afirmam alguns, a aprovação do piso causará desestímulo à contratação de profissionais de saúde. Esse é um antigo argumento dos empregadores interessados em pagar baixos salários. Com remuneração digna, enfermeiros, técnicos, auxiliares e parteiras poderão sobreviver com um emprego único, sem acumular cargos ou funções, e haverá mais empregos para todos.
Com a pandemia da Covid-19, o protagonismo até então silencioso da enfermagem entrou em evidência. A rotina árdua e os riscos da atuação na linha de frente, inclusive em momentos críticos de falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e superlotação em UTIs e enfermarias, revelou ao país a essencialidade da profissão e trouxe novo fôlego para as lutas da categoria.
Doamos nossas vidas para salvarmos outras vidas. Segundo dados do Observatório da Enfermagem do Cofen, 869 profissionais de enfermagem tombaram enquanto lutavam para garantir uma assistência qualificada àqueles que mais precisavam em meio a uma crise humanitária sem precedentes.
Mesmo diante das situações mais adversas, continuamos na linha de frente, 24 horas por dia. Não é razoável exigir que justamente aqueles que trabalham nas piores condições recebam os piores salários ou remunerações.
Por muito tempo, fomos invisibilizados. Agora, temos voz e toda a sociedade conhece a nossa realidade e a nossa luta. Somos a categoria que está ao lado da população, presente em todos os ciclos da vida. No combate à Covid-19, temos atuado na linha de frente de forma incansável salvando vidas e sendo peça fundamental no andamento das campanhas de vacinação.
O Sistema Cofen/Conselhos Regionais apoia e luta pela aprovação do piso salarial. Desde o início das discussões acerca do projeto, tem atuado junto à sociedade para realizar campanhas, atos e mobilizações nacionais, além de articular com autoridades políticas apoio pela rápida aprovação do PL.
Agora, o processo continua na Câmara dos Deputados, e a mobilização da maior força da saúde brasileira precisa continuar. É importante que cada profissional cobre dos deputados federais do seu estado apoio ao PL 2564/2020, bem como que o nosso piso seja pautado e aprovado com a urgência necessária.
Nos últimos dias, temos nos deparado com uma série de declarações de apoio de deputados e, inclusive, recebemos a sinalização favorável ao rápido andamento da votação por parte do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Na última semana, líderes partidários protocolaram pedido de urgência na votação do piso, o que permite ao PL seguir direto ao plenário sem que passe por comissões temáticas.
Todo esse apoio dá força à nossa luta em prol de uma enfermagem de fato valorizada. No entanto, é importante lembrar que apoiar não significa aprovar. É preciso que todas essas declarações se transformem em reconhecimento efetivo, traduzido na aprovação do PL do piso.
Falar de enfermagem é falar de protagonismo. É falar de uma profissão que, ??para além do cuidado, é formada por profissionais humanos, que lutam para garantir a qualidade da assistência à saúde da população brasileira, mesmo nos contextos mais adversos.
Valorizar a enfermagem é valorizar a saúde. É reparar uma dívida histórica e reconhecer a essencialidade da categoria que exerce um papel fundamental na construção da saúde brasileira, e que não recua da árdua e nobre missão de fazer da enfermagem o que ela é em essência, uma profissão que se supera todos os dias.
Fonte: Jota