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Setembro Amarelo: estudos mostram índices de suicídio estáveis na pandemia


08/09/2021
 

Estudos publicados em 2021 sobre suicídio e coronavírus surpreenderam quem apostava que o primeiro dispararia em função da disseminação do segundo. De acordo com as pesquisas, não foi bem assim. O medo do contágio, o confinamento e as incertezas não levaram necessariamente a um maior número de mortes imputadas a si. Os suicídios, inclusive no Brasil, se mantiveram num patamar estável. Em alguns países, como a Austrália, até caíram. 

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, divulgado em julho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que o número de suicídios no Brasil em 2020 foi de 12.895, com variação de apenas 0,4% em relação a 2019, quando foram registrados 12.745 casos. Os estados que apresentaram maior número, repetindo o ano anterior, foram São Paulo, Minas Gerais e Porto Alegre, nessa ordem. A tendência no país é de alta: em 2012, foram 6.905 casos.
 
“A pessoa numa crise suicida é altamente ambivalente e, em geral, não quer exatamente morrer, mas pôr fim a um sofrimento insuportável”, diz o psiquiatra José Manoel Bertolote. “Ao ser confrontada com uma ameaça concreta de morte, seu instinto de sobrevivência é mobilizado para lutar contra o novo inimigo”, acrescenta.
 
No início da pandemia, Bertolote conta que alguns pacientes seus com ideação suicida insistiram no tratamento online porque não queriam se expor ao vírus. Preservaram-se do perigo iminente e desconhecido. Uma primeira questão que fica é o que pode acontecer quando esse inimigo sair do horizonte, mesmo que aos poucos.
 
Bertolote, um dos idealizadores do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio (10/9), que no Brasil deu origem ao Setembro Amarelo, está entre os que apostavam, com base em informações de situações críticas prévias semelhantes, que o aumento das taxas de suicídio no começo da pandemia era improvável. “Mas fiquei pregando no deserto”, afirma. “Mesmo depois de termos os resultados do estudo, várias pessoas resistiram em aceitá-los.”
 
Ele se refere à pesquisa feita em 21 países sobre tendências de suicídio nos primeiros meses da pandemia publicada na Lancet Psychiatry em abril deste ano. Professor voluntário na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), coordenador da Rede de Proteção à Vida e responsável pela criação do Programa Global de Prevenção do Suicídio da Organização Mundial da Saúde (OMS), Bertolote se juntou a outros 69 pesquisadores nessa abordagem sobre o número de suicídios em 16 países de alta renda e cinco de renda média alta. Nestes últimos, incluíram o Brasil.
 
O grupo de cientistas concluiu que não houve aumento nas taxas de suicídio no espectro estudado, com a ressalva de que não foi possível expandir a análise para países de renda média e baixa, pois a maioria deles não tem sistema de registro de óbitos de boa qualidade nem coleta de dados sobre essas mortes em tempo real.
 
No próprio estudo, porém, os pesquisadores avaliam ser preciso atentar para o fator econômico. Lembram que muitos países promulgaram rapidamente iniciativas de apoio para amortecer as consequências econômicas da pandemia, mas que estas estariam sendo reduzidas ou retiradas em certas populações. À medida que o apoio expira, aqueles antes protegidos podem sofrer estresse crescente.
 
Não ao reducionismo
Em março deste ano, o presidente Jair Bolsonaro leu, em sua live semanal, uma carta de um suposto suicida. Queria atacar a indicação de isolamento social como medida de proteção contra o coronavírus. “Estamos tendo aí casos de suicídio pelo Brasil por causa do lockdown”, disse.
 
Em seguida, seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal, publicou nas redes sociais (e depois apagou) a foto do autor da suposta carta, contradizendo ambos as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para não sensacionalizar o tema nem divulgar mensagens de despedida, atitudes que podem levar ao efeito contágio, ou seja, de reprodução do ato.
 
No início da pandemia, a suicidologista Karina Okajima Fukumitsu soltou uma nota de recomendação em que buscava desconstruir a associação imediata entre covid e suicídio. “Publicar notícias atrelando a contaminação pela Covid-19 ao suicídio é reducionismo”, escreveu.
 
Ela destacava ser possível que algumas pessoas pudessem se sentir sozinhas, enquanto outras entenderiam que o tempo de reclusão era uma oportunidade para se organizarem. Apontava alguns sinais de alerta, como aumento do uso de álcool e outras drogas e tentativas prévias de suicídio, mas deixava explícito que o suicídio é multifatorial e a verdade vai embora com quem se matou. “Infelizmente, nunca saberemos os reais motivos.”
 
Um ano e meio depois, ela avalia que alguns aspectos do confinamento em família, por exemplo, mostraram certo efeito protetivo. “Os processos autolesivos também não tiveram aumento nesse tempo, talvez porque os parentes e os pais estivessem mais presentes”.
 
Autolesão ou automutilação, conhecidas por “cutting”, é uma prática de agredir o próprio corpo com cortes, batidas ou queimaduras em áreas nas quais as marcas podem ficar escondidas pela roupa ou por adereços, como braço, perna e abdômen. “Mesmo com brigas, houve mais vigília”, ressalta Fukumitsu, autora e organizadora de livros sobre o tema, entre eles “Sobreviventes Enlutados por Suicídio: Cuidados e Intervenções”, e coordenadora da pós-graduação em Suicidologia na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Tentativas de suicídio, continua a psicóloga, também podem ter diminuído devido a esse cerceamento da intimidade.
 
Ela se preocupa, porém, com a falsa calmaria do momento, e alerta para os que podem ter adoecido profundamente, mas permanecem em silêncio. “Uma pessoa que está em sofrimento intenso, se não explode em doença, pode implodir”, diz. Fukumitsu sugere uma ampliação dos cuidados e indicação de psicoterapia e psiquiatria inclusive no sentido da prevenção.
 
Fonte: CNN Brasil
 
 
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