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Para Boaventura, será preciso se manter nas ruas para garantir 'eleições livres' em 2022


01/06/2021
 

 A omissão em parte do noticiário das manifestações do último sábado (29) é demonstração de que “as elites brasileiras não aprenderam absolutamente nada” sobre a democracia, segundo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. “Penso que se não houver gente na rua até 2022 podemos ver o processo (político-eleitoral) altamente comprometido”, afirmou o professor e diretor emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Ao lado do cineasta Silvio Tendler, ele participou, ontem (31) à noite, de debate organizado pelo Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (SinproRio), que está completando 90 anos. 

Para Boaventura, os sinais de ameaça ao processo democrático estão dados. “Não pensem que o senhor Jair Bolsonaro vai sair pacificamente do Palácio do Planalto”, afirmou o pesquisador. Para ele, o atual presidente é um daqueles políticos que ascendem ao poder “usando” a democracia, mas não a exercem. O professor enfatizou a necessidade de “ir à rua para defender eleições livres em 2022”. E recomendou: “Cuidado, cuidado, cuidado”.
 
Ensaio geral em 2012
Já Silvio Tendler considerou que faltou atenção a um problema que começou a se manifestar muito antes, com, por exemplo, a queda do então presidente Fernando Lugo, do Paraguai, em 2012. “Nós achávamos que era um problema paraguaio. Era um ensaio geral do que iria acontecer no Brasil anos depois. Quando veio a eleição de 2018, nenhum de nós acreditou que esse seria o cenário. Todo mundo apostava suas fichas nos seus candidatos, ninguém acreditou que o verme seria eleito”, lamentou o cineasta, para quem faltou uma efetiva “unidade antifascista”.
 
Na conversa, mediada pelo presidente do Sinpro, Oswaldo Teles, o sociólogo português afirmou que o Brasil atual é um “estudo de caso” pelo seu negacionismo prolongado. Aqui, segundo ele, o governo age “de maneira irresponsável e criminosa”, como parte do que ele chamou de “economia de morte planificada”.
 
Jornalismo sacrificado
A política do governo brasileiro é “quase mais perigosa” que a pandemia, disse ainda Boaventura. O pesquisador citou a primeira página, na edição de domingo (30), dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, sobre turismo e “aquecimento” da economia. “Conseguiram praticamente omitir a manifestação”, afirmou, considerando o fato quase uma “ofensa” à sociedade. “Sacrificam a notícia, o jornalismo, em função de suas politicas.”
 
Boaventura dedicou boa parte de sua intervenção aos temas educação e meio ambiente. Observou que muitos fenômenos naturais já não podem ser considerados acidentais, mas “produtos da intervenção humana na natureza“. E ironizou a expressão “capitalismo verde” para designar um sistema mais sustentável. “A única coisa verde que eu conheço no capitalismo é a nota de dólar”, comentou.
 
Falar a “linguagem das pessoas”
Mas ele também chamou a atenção para a necessidade de uma nova postura por parte dos setores progressistas, que teriam deixado de ir à favela, à periferia, deixando de usar “a linguagem das pessoas”. Os sindicatos – que ainda são uma força social e política significativa, e por isso mesmo são atacados desde os anos 1980 – “levaram muito tempo a entender que as coisas estavam a mudar, as formas de organização que estão a surgir”, citando o movimento dos entregadores de aplicativos em São Paulo. Mas ele aponta mudanças nesse campo: “Alguns países já estão a considerar que os entregadores da Uber são trabalhadores, não são empreendedores“.
 
Boaventura acredita que o mundo irá entrar em um período que ele chama de “pandemia intermitente”. Sem a quebra de patente das vacinas, nem toda a população estará vacinada até os próximos anos e as variantes irão se multiplicar, com novos confinamentos. E pediu atenção sobretudo à escola pública, que, como lembrou, já vinha sendo atacada antes da crise. Quando houver uma fase “menos aguda” da pandemia, pediu, os professores antes de mais nada devem escutar os jovens: “A primeira tarefa é deixá-los falar”.
 
Tendler manifestou inconformismo com a falta de apuração do episódio da facada em Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral de 2018. Endossando a fala de Boaventura, ele acredita que está em curso um “golpe de Estado” para evitar a transição em 2022. “Nosso problema no Brasil não são as Forças Armadas, são as milícias, e a gente não está se preparando para esse enfrentamento”, afirmou, pedindo a formação de uma “frente antifascista muito bem organizada” no ano que vem.
 
Fonte: Rede Brasil Atual
 
 
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