Enquanto os brasileiros cantavam o hit “vem de bum bum tam tam”, de MC Fioti, para celebrar a chegada da vacina contra a Covid-19, em diversos países do mundo a aplicação das primeiras doses levou a um aumento do apoio às campanhas de imunização.
A mudança foi tão grande que, em alguns locais, o que antes era uma maioria antivacina se transformou em menos de um mês em minoria.
É o caso da França, onde 58% da população rejeitava o imunizante, segundo um levantamento feito nos dias 22 e 23 de dezembro pelo instituto Odoxa com a consultoria Backbone para os veículos Le Figaro e Franceinfo. A pesquisa indicava que um dos principais motivos apontados pelos entrevistados era que “não se vacinar é uma decisão razoável tendo em vista uma nova doença e uma nova vacina”.
Em 27 de dezembro, o primeiro francês recebeu a injeção contra a Covid-19. No estudo seguinte, com entrevistas em 13 e 14 de janeiro, já eram 56% os que se vacinariam no país.
“Historicamente, temos um grande movimento antivacina”, afirma o médico francês Michaël Rochoy, pesquisador de epidemiologia na Universidade de Lille, citando um estudo de 2019 em 54 países em que a França liderou o ranking em quantidade de pessoas que não confiavam nas imunizações.
“Os países ricos não veem mais epidemias, claro que não é o caso da Covid, mas a epidemia de rubéola não existia mais e voltamos a ver alguns casos porque cada vez mais pessoas ou esquecem de se vacinar ou não querem.”
O chefe do departamento de Epidemiologia da Universidade de Michigan (nos EUA), Joseph Eisenberg, compartilha a visão do médico francês. “A grande diferença entre Covid-19 e outras doenças infecciosas para as quais temos vacinas é que as pessoas estão testemunhando e vendo a imensa mortalidade e os resultados severos.”
“Acho que quando se está lidando com esses riscos baixos, muitas teorias da conspiração crescem e têm potencial de serem aceitas, mas quando se está lidando com uma doença devastadora como a Covid, isso muda a opinião das pessoas”, afirma o americano.
Um dos pontos principais para a hesitação dos franceses aos imunizantes, segundo Rochoy, é a rapidez com que foram desenvolvidos. Ele acha que ao menos parte das pessoas que inicialmente se dizem temerosas com a vacina na verdade apenas não querem ser as primeiras a receberem as doses.
“Esses que não querem são pessoas frequentemente hesitantes, não querem agora porque parece cedo para eles e querem ver como vai acontecer. Esperam um efeito bola de neve, mas muito provavelmente são pessoas que vão se vacinar.”
Esse salto após a primeira dose ser aplicada pode ser visto também na Espanha, onde a intenção aumentou mais de 20 pontos. Os números só começaram a crescer após o início da vacinação, também em 27 de dezembro. No dia 18 daquele mês, 52% estariam dispostos a aderir à campanha, número que saltou para 66% em 7 de janeiro e 73% no dia 5 de fevereiro, segundo levantamento do instituto britânico YouGov.
Outra evolução impressionante ocorreu no Reino Unido, o primeiro país ocidental a vacinar sua população. Também de acordo com o YouGov, em 10 de novembro, 63% dos britânicos demonstravam intenção de receber o imunizante —percentual que já era alto em comparação aos vizinhos europeus.
Após o início da campanha, em 8 de dezembro, o número já saltou para 73% em levantamento do dia 14 daquele mês e chegou a 86% na pesquisa do dia 11 de fevereiro, o mais alto entre os 26 países analisados pelo instituto.
Os EUA também tiveram uma virada acentuada, que começou antes mesmo de o primeiro cidadão do país ser vacinado, em 14 de dezembro. No levantamento inicial realizado pelo instituto Gallup, em julho, 66% se disseram dispostos a receber a injeção, percentual que caiu para 50% em setembro, mas alcançou 71% no estudo mais recente, no fim de janeiro.
Para o professor assistente de epidemiologia na Universidade de Michigan, Abram Wagner, que pesquisa a hesitação ligada às vacinas, uma das grandes razões para a mudança de opinião é que o imunizante é mais tangível agora. “Alguns meses atrás, as pessoas não sabiam o que era e como seria [a vacina].”
Assim como Rochoy, o especialista americano aponta que a maioria das pessoas, na verdade, se encontra num limbo entre o “sim” e o “não”. “Quando penso em hesitação, eu gosto de ver um espectro. Algumas pessoas não querem nenhuma vacina e outras são muito pró-vacina”, explica. “A maioria está em cima do muro e pode ir tanto para um lado como para o outro.”
O médico francês faz uma analogia com a situação de um incêndio. “Quando o alarme toca, se ninguém se mexe, as pessoas vão continuar paradas, mas se elas saem, as outras seguem. Mas também, se ninguém se mexe e um bombeiro vem e diz que tem que sair, as pessoas vão sair rapidamente porque é alguém de autoridade.”
Para convencer os que têm mais receio, Wagner explica que também é necessário facilitar o processo. "Se você tiver que ligar ou entrar em um site, marcar um horário, quem está hesitante não irá até o fim”, afirma ele.
Um ponto-chave é fazer com que as vacinas estejam disponíveis em locais próximos às pessoas. Com a chegada da AstraZeneca na França, Rochoy explica que farmacêuticos, por exemplo, vão poder fazer a aplicação, o que facilita essa disponibilidade.
Há países, no entanto, que veem um movimento diferente. É o caso da Índia, onde houve uma ligeira queda na intenção de vacinação após o início da campanha, em 16 de janeiro. Segundo o YouGov, em 14 de dezembro, 69% dos indianos estavam dispostos a receberem o imunizante, mas o número caiu para 63% no último levantamento, em 8 de fevereiro.
Já em Hong Kong, onde a vacinação ainda não começou, houve uma queda acentuada na adesão, também de acordo com o instituto britânico. Na mais recente pesquisa, de 1º de fevereiro, 36% se diziam dispostos a se vacinar, um tombo em relação aos 51% vistos em 14 de dezembro.
As preocupações são similares às do Ocidente. Um estudo do Instituto de Pesquisa de Opinião Pública de Hong Kong apontou que segurança, efeitos colaterais potenciais e uma rápida implementação do esquema de vacinação eram os principais motivos apontados pelos entrevistados, segundo informou o South China Morning Post.
William Chui Chun-ming, presidente da Sociedade de Farmacêuticos de Hospitais de Hong Kong, afirmou ao jornal chinês que é preciso que o governo divulgue mais informações sobre os imunizantes.
“Suas preocupações sobre segurança, eficácia e qualidade estão totalmente alinhadas com as dos especialistas do painel consultivo de vacinas do governo. É por isso que as informações são tão importantes, não devem ser fornecidas apenas a especialistas e equipes médicas, mas a todos os habitantes de Hong Kong.”
Fonte: Folha de SP