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Bolsonaro e Mourão reproduzem discurso racial da ditadura militar, diz socióloga


23/11/2020
 

O assassinato de João Alberto Freitas, um homem negro de 40 anos, por seguranças do Carrefour em Porto Alegre levou a mobilizações antirracistas pelo país e fez lembrar o caso George Floyd, nos EUA. 

Ao comentar a morte no supermercado, o vice-presidente da República Hamilton Mourão disse que não existe racismo no Brasil, e o presidente Jair Bolsonaro declarou haver “tentativas de importar para o nosso território tensões alheias à nossa história”.
 
Os dois reproduzem um discurso vastamente usado no período da ditadura militar, segundo a professora de sociologia da UFF (Universidade Federal Fluminense) Flavia Rios, que pregava a existência de uma democracia racial.
 
“Para o país [a ideia] era importante não só para a acomodação dos conflitos internos mas também para fazer essa divulgação de democracia racial para o mundo, por interesses econômicos”, diz Rios sobre o período da ditadura, de 1964 a 1985.
 
Rios, que organizou com a também pesquisadora e professora Márcia Lima (USP), o recém-lançado “Por um Feminismo Afro-Latino-Americano” (ed. Zahar), livro de Lélia Gonzalez, falou com a Folha a respeito do mito da democracia racial, da resistência negra na ditadura e das influências que ajudaram a moldar as organizações negras brasileiras. Leia os principais trechos abaixo.
 
 
O vice-presidente Hamilton Mourão disse que não há racismo no Brasil e o presidente Jair Bolsonaro contestou o debate sobre racismo no país. Isso ecoa o mito da democracia racial? A declaração do vice-presidente da República é totalmente ancorada no discurso da ditadura militar, quando se dizia que no Brasil não havia racismo, que isso era algo de fora, importado, vindo dos EUA. E a fala do presidente Jair Bolsonaro segue a mesma retórica.
 
É notável que os próprios agentes econômicos que representam o Carrefour internacionalmente, inclusive, reconheceram que o João Alberto foi assassinado e que a motivação foi racial. É de espantar que o vice-presidente recorra ao discurso radical da democracia racial.
 
E é interessante também que se diga isso no Dia da Consciência Negra. Uma fala como essa vai contra todas as conquistas democráticas do Estado nacional brasileiro de reconhecer que o país é pluriétnico, pluricultural e que tem de enfrentar o racismo, sim, que é muito forte na sociedade.
 
A cultura de seguranças particulares tem algo a ver com a herança da ditadura? Empresas particulares herdam a histórica presença de agentes privados que controlam a violência nos estabelecimentos comerciais e as técnicas de controle e o uso de tortura nos espaços. Há uma década vimos uma experiência parecida com essa em São Paulo, quando um funcionário da Universidade de São Paulo foi brutalmente agredido por seguranças do Carrefour também. [O caso ocorreu em 2009, em Osasco.]
A empresa tem uma política agressiva contra clientes e, evidentemente, aqueles que são enquadrados como perigosos, que são as pessoas negras. Essas seguranças estão orientadas a agredir até as últimas consequências, como nós vimos aqui.
 
A delegada do caso afirmou que não houve racismo. O mito da democracia racial afeta a percepção de situações como essa? Há de se notar como as corporações policiais ainda precisam passar por um processo educativo e pedagógico de uma política de segurança pública séria para o entendimento do enfrentamento do racismo. Porque me parece que está muito bem configurada uma experiência de violência racial no caso. E é como os movimentos sociais e a família do João Alberto interpretaram.
 
Como os militares lidavam com a questão racial? A relação era colocar a ideologia da democracia racial num patamar de um nacionalismo forte. Eles adotaram [a ideia de] que no Brasil havia uma democracia entre negros e brancos, e isso implicava a inexistência de um racismo estrutural. Não havia segregação, discriminação e preconceito —e, se aparecesse, era episódico.
 
Na leitura deles [militares], havia integração das pessoas negras. De forma que, por exemplo, não havia necessidade de se perguntar sobre a cor das pessoas no IBGE.
 
Do ponto de vista internacional, é interessante porque o Brasil, durante os governos militares, foi signatário de todas as resoluções da ONU que denunciaram a discriminação racial. O Brasil sempre discursou internacionalmente como um país da democracia racial. E todas as vozes que questionaram isso foram brutalmente sufocadas.
 
Nesse mesmo contexto, é bom destacar que o Brasil expandia suas relações comerciais com os países africanos. Então, era importante não só para a acomodação dos conflitos internos, mas para fazer essa divulgação de democracia racial para o mundo, porque havia interesses econômicos.
 
A África vivia grandes processos de libertação de independência. A voz que tinha que sair do Estado era a de que havia harmonia e que os negros eram bem tratados.
 
Quais foram os impactos da decisão de tirar a pergunta sobre cor do Censo de 1970? O IBGE pergunta sobre cor desde o século 19. Pesquisadores, historiadores e sociólogos se embasaram muito nos Censos demográficos para entender a dinâmica das relações raciais brasileiras, especialmente o tamanho da população e relacionar isso às condições de vida. Muitas das pesquisas dos anos 1950 e 1960 se valeram do que o IBGE produziu para entender as relações e desigualdades raciais no Brasil.
Com a supressão da pergunta em 1970, não se sabe o que aconteceu nessa década. Não se pode comparar com a década anterior nem com a seguinte, quando a pergunta volta, graças a uma mobilização do ativismo negro.
 
Lélia Gonzalez, em “Lugar de Negro”, escreveu sobre o impacto repressor da ditadura militar nos movimentos sociais e, por consequência, nos negros. Qual foi esse impacto? Gonzalez vai dizer que os parlamentares, negros ou não, que defendiam os direitos ou que tinham afinidades com as demandas das populações negras foram afetados diretamente pela ditadura porque eram representantes oposicionistas ao golpe.
 
É interessante destacar também o modo como a ditadura atacou diretamente pessoas do dia a dia. Poderia falar dos bailes. É muito importante mostrar que os espaços de sociabilidade e lazer da comunidade negra também foram alvos de controle do regime.
 
Esses espaços eram vigiados, e as pessoas, brutalmente reprimidas, porque havia uma grande concentração de jovens negros, e, na leitura dos agentes do Estado, tudo indicava que eram subversivos. Justamente porque as músicas questionavam o racismo e valorizavam a identidade e a subjetividade negras.
 
Nas noites de visibilidade negra, imagens de grandes ícones da luta pelos direitos civis eram reproduzidas como um processo de politização. E, como o regime controlava todos esses espaços, sabia aonde isso poderia chegar. Havia receio dessa politização. Símbolos dos Panteras Negras também chegavam ao Brasil, e isso era objeto de temor.
 
Como os movimentos negros de outros países influenciaram as organizações no Brasil? Um foco de influência importante vem dos contextos de independência dos países africanos, especialmente dos que falam a língua portuguesa. E há um destaque para a África do Sul. O apartheid e a prisão do Mandela se tornaram símbolos do antirracismo mundial.
 
A ideia de consciência negra vem dessas mobilizações na África do Sul. No Brasil, foi muito encampada essa ideia de que temos que ter uma consciência negra.
 
Lembro-me de uma charge do Pestana em que ele põe um televisor em uma sala e uma família negra se indignando com a violência na África do Sul, enquanto a Polícia Militar está arrombando a porta da casa. Esse símbolo era o que eles [movimentos negros] estavam querendo construir e dizer que aqui também havia a nossa forma de violência do Estado.
 
Foram importantes também as organizações de lideranças, estudantes, poetas e artistas de Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde e Angola. Essas pessoas circulavam no Brasil, havia uma rede transnacional de pessoas antirracistas, brancas inclusive.
 
Há ainda o pan-africanismo, o movimento da diáspora, pessoas que não estão necessariamente em África. E o movimento de direitos civis de Martin Luther King, Rosa Parks, o próprio Malcolm X.
 
As influências dos movimentos tanto africanos quanto norte-americanos podem ser lidas diretamente pelos movimentos sociais e pelo noticiário. Mas também pela literatura, pela cultura, pela música, pela poesia revolucionária, pelos ensaios críticos, pela produção intelectual e pela circulação dos ativistas brasileiros e estrangeiros no país.
 
Quem eram as negras e negros da linha de frente contra a ditadura? Grosso modo, podemos dividir em três grupos. Pessoas negras que atuaram nas guerrilhas, optando pela forma revolucionária armada, como Osvaldão, Helenira Rezende e o próprio Marighella, que era um homem negro. O filme do Wagner Moura [‘Marighella’, 2019] carrega nas tintas justamente para mostrar essa negritude que às vezes fica um tanto camuflada.
 
Houve esses perfis negros invizibilizados pela lógica da construção da ditadura militar, que classificou o movimento de resistência como um movimento branco de classe média.
 
Chamaria a atenção para um segundo grupo que estava formando os movimentos negros e não podia abertamente falar do racismo. Essas organizações de algum modo faziam resistência à ditadura na medida em que o discurso oficial do regime era de que havia uma democracia racial, então todo tipo de movimento que questionava isso estaria confrontando o Estado.
 
Lélia Gonzalez, Beatriz do Nascimento, Edna Roland, Hamilton Cardoso, Milton Barbosa, Rafael Pinto, todas essas pessoas estavam atuando e reconstruindo as associações negras nas várias partes do Brasil.
 
Depois, sem hierarquizar grupos, há bases mais populares de associações de favelas, de moradores, de artistas, de pessoas ligadas ao samba e a cultura popular negra. Essas pessoas estavam fazendo, a seu modo, resistência política.
 
Que fatores levaram ao surgimento do Movimento Negro Unificado em plena ditadura militar? Na ditadura havia várias organizações negras, culturais, movimentos sociais de base e também toda uma agitação de jovens negros querendo pautar de maneira mais explícita a questão racial. Achavam que era necessário politizar a experiência de racismo.
 
A oportunidade política foi encontrada quando jovens negros foram impedidos de entrar no Clube Tietê em razão da sua cor [em 1978]. Outra justificativa conjuntural foi o fato de um jovem de Guaianases ter sofrido uma brutalidade policial, porque, segundo o inquérito, roubou frutas no lugar onde trabalhava. Ele foi levado à delegacia e lá foi torturado e assassinado.
 
O MNU politizou essa morte, entendendo que era uma violência do Estado brasileiro a partir do aparelho repressor da ditadura contra a pessoa negra. As lideranças negras que vinham denunciando o racismo em várias partes do Brasil se organizam para criar uma nova linguagem, mais explícita e radical. O MNU é a radicalização da luta negra durante a ditadura militar.
 
Qual foi o posicionamento da Comissão da Verdade com relação à resistência negra? No relatório final da Comissão da Verdade, as resistências negras e indígenas ficaram como anexo. Eles [comissão] se concentraram naquilo que entendiam ser as mortes políticas, pessoas envolvidas em organizações reconhecidamente antiditadura militar.
 
Na verdade, houve divergência quanto ao entendimento da violência contra as populações indígenas e negras para o escopo daquilo que eles estavam entendendo como violência política. Não dá para dizer que é uma negligência completa porque mantiveram registros, mas o fato de ficar como anexo mostra que houve dificuldade para entender a experiência negra e indígena contra a ditadura militar.
 
 
RAIO-X
 
Flavia Rios, 41
Professora de sociologia na UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisadora do Afro - Núcleo de Pesquisa sobre Raça, Gênero e Justiça Racial do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento); coorganizadora de “Por um Feminismo Afro-Latino-Americano”, de Lélia Gonzalez, publicado em outubro pela Zahar, e coautora de “Lélia Gonzalez: Retratos do Brasil Negro” (2010), da ed. Selo Negro.
 
Fonte: Folha de SP
 
 
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