O Brasil fez 11,5% menos testes diagnósticos de Covid-19 em setembro do que em agosto, apontam dados preliminares do Ministério da Saúde: foram 944.712 testes do tipo PCR realizados no mês passado contra 1.067.656 em agosto.
Os dados ainda podem mudar devido ao tempo de atualização dos resultados. O período entre agosto e setembro é, entretanto, o primeiro a registrar queda na quantidade de testes feitos desde o início da pandemia
Os testes do tipo PCR, também conhecidos como testes moleculares, são aqueles que detectam o genoma do vírus (o RNA viral) na amostra – ele é considerado o "padrão ouro" e serve para o diagnóstico de fato, porque, se o genoma do vírus é encontrado na amostra, a pessoa está infectada.
O PCR é diferente dos testes sorológicos, que detectam anticorpos criados pelo sistema imune do próprio corpo para combater o novo coronavírus (Sars-CoV-2). Esse segundo segundo tipo serve para determinar se a pessoa já teve contato com o vírus no passado.
Além do número de testes realizados, também diminuiu o total de testes enviados aos estados e municípios. A queda entre o total entregue em maio – mês em que o maior número de testes foi entregue – e em setembro é de 68%
Impacto no controle da pandemia
Especialistas ouvidos pelo G1 apontam que os dados colocam em dúvida a capacidade de o Brasil testar doentes e rastrear aqueles que com eles tiveram contato.
"O que dá pra ver claramente nos dados é que a gente está diminuindo o número de testes, então, por consequência, está reduzindo o número de diagnósticos automaticamente", avalia Marcio Bittencourt, médico e pesquisador do Hospital Universitário da USP.
O epidemiologista Bernardo Lessa Horta, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, pontua que a diminuição na quantidade de testes feitos pode significar uma queda na incidência da doença.
"Se menos pessoas estiverem adoecendo, a demanda por testes cai. A questão chave é se os possíveis doentes estão tendo acesso ao PCR", lembra.
Bittencourt avalia que os dados mostram que temos um alto número de positivos, que "indica que estamos testando pouco". Isso sinaliza que é possível que as pessoas com sintomas leves não procuram atendimento, e os testes acabam restritos aos que têm mais complicações da Covid.
"Temos 20% de positivos. Nova York tem 2%, grande parte da Europa tem 1%. Quando está muito ruim, eles têm 10%. Com 20%, isso indica uma quantidade muito grande de casos circulando e não testados", afirma.
Apesar de os dados ainda indicarem que a epidemia não está sendo devidamente rastreada, outros indicadores, como o dos casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), apontam que o Brasil tem visto, de fato, uma queda nos casos de Covid-19 em certas regiões. A incidência de SRAG é importante porque, em 2020, cerca de 98% dos casos estão sendo causados pelo novo coronavírus, segundo monitoramento da Fiocruz.
Taxa de positivos
Para Bittencourt, uma das consequências da queda do número de testes é que não conseguimos determinar, exatamente, qual é a intensidade da diminuição do número de casos no país. Ele explica que, com a taxa de positividade que os testes feitos no Brasil apresentam, o país deveria testar mais, e não menos.
Isso porque os dados semanais mais recentes divulgados pelo governo indicam que, na semana de 27 de setembro a 3 de outubro, cerca de 18% dos testes PCR feitos no país tinham resultados positivos – uma taxa que Bittencourt qualifica como "absurdamente alta".
Desde o começo da pandemia, o percentual mais alto foi alcançado na semana de 7 a 13 de junho, quando 39,5% dos testes tiveram resultados positivos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aconselha que países deveriam ter taxas de positividade de até 5% para fazerem reaberturas.
"Isso quer dizer ter um teste positivo em cada 20 para ter uma confiabilidade de que se está testando um número suficiente de pessoas para não perder muitos casos", avalia Bittencourt.
Se considerados os cerca de 7,7 milhões de testes do tipo PCR feitos no Brasil desde março até 10 de outubro, cerca de 35,5% tiveram resultado positivo. Na rede pública, o percentual é de quase 41%, segundo dados do Ministério da Saúde
O Centro de Controle de Doenças americano (CDC, na sigla em inglês) afirma que taxas acima de 25% podem ser um indicador de que não há testagem suficiente.
Pouca testagem
Os cientistas Mellanie Fontes-Dutra e Isaac Schrarstzhaupt, que coordenam a Rede Análise Covid-19, apontam que ter muitos resultados positivos em um grupo de pessoas testadas, como ocorre no Brasil, pode ter alguns significados:
Pode haver diferenças regionais em diferentes momentos da pandemia que levam a índices médios altos. (Uma positividade maior na região Norte e menor na região Sul em março e abril e o inverso em setembro, por exemplo);
Que temos uma quantidade muito baixa de testes, e aí não conseguimos enxergar efetivamente onde estão os focos da infecção;
Que há muitas pessoas infectadas, já que os percentuais positivos indicam os casos ativos – uma positividade alta nos diz que temos grande chance de aumento no futuro.
Fontes-Dutra lembra ainda que há "várias epidemias" ocorrendo no país, com momentos diferentes – e que o ideal seria tratá-las de forma individual.
O virologista Eduardo Flores, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, é da mesma opinião.
"O comportamento das epidemias é muito assincrônico. No início tem um pico muito grande no Rio, em São Paulo, Fortaleza, Manaus, Recife", diz. "Nós aqui no Sul, por exemplo, nosso pico foi agora – agosto, setembro. No Brasil, são 27 estados, então existem 27 epidemias diferentes e cada uma delas está se comportando de maneira diferente", avalia Flores.
O que diz o governo
Na visão do Ministério da Saúde, a diminuição dos testes realizados em setembro parece coerente com outros indicadores, como as internações.
"A taxa de ocupação e a taxa de internação também teve (sic) uma queda considerável", disse o secretário-executivo Élcio Franco na quinta-feira (17).
Citando o programa "Diagnosticar para cuidar", os representantes da pasta defenderam que a média das últimas cinco semanas é superior à verificada no início da pandemia.
"Nós saímos de uma média extremamente baixa de mil e poucos exames lá em março e estamos hoje fazendo a média de 30 mil exames por semana. Então, acho que isso sim é um incremento. Temos hoje uma capacidade de testagem no Brasil extremamente consolidada", disse Arnaldo Medeiros, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
O primeiro caso brasileiro de Covid-19 foi confirmado no país no dia 26 de fevereiro, com a primeira morte em 12 de março. Em julho, o país teve o número mais alto de mortes em toda a pandemia. Até as 20h desta terça-feira, eram 154.888 óbitos por Covid-19 no Brasil.
Fonte: G1