A medida provisória do governo federal que permitiu aos patrões redução proporcional de jornada de trabalho e salário durante a pandemia deixou bem claro que os dois tinham que ocorrer simultaneamente. Mas não é isso o que está acontecendo em várias empresas do país. De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), desde o início da crise sanitária, houve 1.576 reclamações de descumprimento da parte da regra favorável aos empregados.
Em outras palavras, inúmeros trabalhadores do país ganham menos, mas entregam o mesmo ou mais que antes da medida entrar em vigor.
A MP 936, convertida na lei Lei 14.020/2020, inicialmente previa suspensões de contratos por até 60 dias e redução de jornada e salário por no máximo 90, mas um decreto do presidente Jair Bolsonaro, nesta semana, prorrogou os dois limites para 120 dias.
O procurador Tadeu Henrique Lopes da Cunha, coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do MPT, diz que as empresas que aderiram à essa flexibilização e mantêm seus funcionários trabalhando o mesmo que antes da pandemia podem estar incorrendo não só na quebra do acordo trabalhista, mas também cometendo um crime contra a União caso fique comprovado que tentaram levar vantagem financeira.
Isso porque a mesma MP estabelece que parte dos salários reduzidos é reposto pelos cofres da União por meio do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda. O cálculo é feito da seguinte forma: se o trabalhador teve 50% de corte, terá direito a 50% do que ganharia se recebesse no período o seguro-desemprego, hoje entre R$ 1.045 e R$ 1.813,03, de acordo com o holerite da pessoa.
"Então, se fica comprovado que a empresa tentou, com essa medida, repassar à União um custo seu e que teria condições de cobrir, ela estaria se apropriando, indiretamente, de recursos públicos para pagar o trabalhador", explica o procurador.
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Tadeu Cunha também argumenta que se o empresário está exigindo de seu funcionário a mesma intensidade no serviço é bem provável que seu caso não se enquadre nas dificuldades previstas pela lei, criada para evitar o fechamento de empresas afetadas pela paralisação da economia motivada pelo avanço da covid-19.
"O empresário que se viu sem demanda, perdeu renda, mas pode pelo menos repassar parte dos custos para o governo com a redução do salários ou a suspensão dos contratos", diz.
A mesma MP também permite a suspensão dos contratos por até 120 dias. É possível reduzir a jornada/salário em 25%, 50% ou 70%. Qualquer que seja a medida adotada, precisa obrigatoriamente ser acordada com a equipe e de forma alguma pode reduzir a valor da hora de trabalho de cada funcionário.
A lei 14.020 também estabelece que a jornada de trabalho e o salário pago anteriormente serão restabelecidos no prazo de dois dias corridos após a "cessação do estado de calamidade pública" ou a "data estabelecida como termo de encerramento do período de redução pactuado" ou ainda a "data de comunicação do empregador que informe ao empregado sua decisão de antecipar o fim do período" acertado entre eles.
Se houver comprovação de ilegalidade, o empregador deverá pagar as diferenças, como salário e encargos sociais, além de arcar com multas trabalhistas. A lei não estabelece os valores que serão cobrados.
O MPT não detalha contra quais companhias ou de quais setores econômicos partiram as reclamações, também não diz em que situação estão os processos, mas acrescenta que a pandemia é responsável por diversas outras reclamações, como a escassez de equipamentos de proteção aos funcionários e falta de regras claras para conter as infecções do novo coronavírus.
Fonte: R7