As dispensas de funcionários em meio à crise do coronavírus já levaram quase 21 mil trabalhadores à Justiça do Trabalho para brigar pelo pagamento de verbas rescisórias. Juntos, esses processos somam R$ 1 bilhão em disputas trabalhistas.
Nessas ações, trabalhadores cobram indenizações a que teriam direito ao serem demitidos, como aviso prévio, multa de 40% do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), férias e 13º proporcionais.
A cifra, segundo advogados, pode ser ainda maior, assim como o número de processos. Com as políticas de distanciamento social, as varas estão fechadas e todo o trabalho vem sendo feito à distância. Quem ainda não tem um advogado, também está enfrentando dificuldades.
Mesmo assim, a maioria desses processos –19.408 até a segunda-feira (25)– eram individuais, segundo monitoramento do Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, feito pela Datalawyer com o site Consultor Jurídico e a FintedLab.
Caio Santos, diretor-executivo da Datalawyer, diz que a mesma ação pode ter cinco ou mais assuntos sendo discutidos. Portanto, um mesmo trabalhador pode ter levado o calote no FGTS, nas férias, no aviso prévio e no 13º.
O professor de direito do trabalho da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) Ricardo Calcini diz que se a empresa não paga as verbas da demissão em dez dias, ela fica sujeita a uma nova multa, prevista no artigo 477 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Entre as ações individuais, esse é o quarto motivo mais comum a levar trabalhadores à Justiça do Trabalho durante a pandemia.
A ferramenta criada pela Datalawyer lê todos os processos apresentados nas varas trabalhistas a partir da publicação no “Diário da Justiça” e identifica os que citam coronavírus, pandemia e Covid-19. O intervalo entre o ingresso e o aparecimento no termômetro é de uma semana, em média.
Em todo o Brasil, os setores mais processados são indústrias, bancos e financeiras e comércio.
No estado de São Paulo, o valor médio das ações trabalhista está em R$ 60,2 mil. Desde o início da pandemia, 3.992 trabalhadores paulistas buscaram a Justiça no para reclamar de falhas na homologação de suas demissões. Os setores financeiro, varejista, de administração pública, de transporte e de alimentação são os principais alvos dessas ações.
Para Domingos Fortunato, sócio da área trabalhista do Mattos Filho, o momento de retorno das atividades também deve abrir espaço para novas discussões, como o cumprimento de normas de segurança. Fornecimento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) é o pedido mais comum nas ações coletivas apresentadas como consequência da pandemia.
A interpretação dada por empresas à legislação trabalhista deve levar a um novo aumento no volume de ações, diz o professor Ricardo Calcini.
“Nos últimos anos, após a reforma trabalhista, caiu muito o número de ações. O que temos agora é um cenário que justifica um aumento exponencial a cada dia”, diz.
Ele cita a interpretação dada por algumas empresas à teoria do fato do príncipe, por meia da qual empresas demitiram funcionários, não pagaram as verbas indenizatórias e disseram que os valores deveriam ser cobrados dos governos estaduais ou municipais.
Foi o que aconteceu, por exemplo, na rede de churrascarias Fogo de Chão, que usou o artigo 486 da CLT para evitar o pagamento da rescisão a funcionários demitidos.
A medida é controversa.
A advogada Caroline Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer, diz que mesmo que a interpretação desse artigo transferisse a responsabilidade pelo pagamento da indenização aos governos, a rescisão paga aos funcionários ainda precisaria ser feita de maneira integral. Caberia às empresas cobrar o valor do poder público.
Para Ricardo Calcini, da FMU, o prolongamento da crise econômica acabará estimulando o início de ações.
“Quanto mais tempo a atividade econômica estiver paralisada, maiores as chances de demissões, inclusive com o risco de que ocorram sem as verbas rescisórias”, afirma.
Outro ponto que deverá inundar o judiciário trabalhista é a utilização do fechamento por força maior, que permite a redução na multa do FGTS. Dos 40%, a empresa fica autorizada a pagar 20%.
Há o risco de as empresas abusarem dessa previsão legal. “É necessário que a atividade seja encerrada, que aquela pessoa, dona daquele comércio, por exemplo, feche a empresa, e que isso tenha relação com a pandemia”, afirma Calcini.
O dispositivo da força maior já estava previsto na legislação, mas a Medida Provisória 927 incluiu a pandemia do coronavírus como uma das situações que permitem essa caracterização.
O advogado Jorge Matsumoto, sócio trabalhista do Bichara, diz que o agravamento da situação econômica do país vai levando as empresas a medidas extremas.
“A tendência é a de haver um aumento nas ações trabalhistas. Quem busca a via judicial vai discutir verbas rescisórias, cálculos das indenizações, horas extras, regras de home office e cumprimento de normas de segurança”, afirma.
Fonte: Folha de SP