Nem com a possibilidade de acessar uma reserva de recursos as operadoras de saúde quiseram se comprometer com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) a manter usuários inadimplentes até o dia 30 de junho em suas carteiras e, assim, garantir atendimento durante a pandemia de Covid-19.
Apenas 9 de 780 planos de saúde do país, que representam cerca de 324 mil de um total de 47 milhões de clientes do setor suplementar, assinaram termo com esse compromisso, segundo a ANS.
O acordo previa que as operadoras poderiam usar recursos de uma espécie de poupança obrigatória do setor destinada a garantir o equilíbrio fiscal em situações de emergência, para viabilizar medidas para o enfrentamento da pandemia.
Em contrapartida, as empresas deveriam pagar em dia os profissionais e serviços de saúde, renegociar contratos com beneficiários que estivessem com dificuldades para manter o pagamento das mensalidades e mantê-los no plano até o fim de junho.
As justificativas das operadoras para não assinar o compromisso são o risco de uma inadimplência generalizada e o aumento dos custos durante a pandemia do coronavírus.
Em 9 de abril, a ANS anunciou que flexibilizaria cerca R$ 15 bilhões (o que, segundo o setor, equivaleria a 20% da reserva) em garantias financeiras e ativos garantidores. A nota fala em liberação de R$ 1,4 bilhão em recursos financeiros para as operadoras. Nove empresas, com maior margem de solvência em relação às demais, poderiam ter acesso a mais R$ 2,7 bilhões.
Outros R$ 10,5 bilhões estariam livres para movimentação entre aplicações, por exemplo, permitindo às operadoras uma gestão mais proativa dos ativos financeiros.
“A liberação de R$ 15 bilhões nunca existiu. É 10% disso para 780 operadoras. Os R$ 10,5 bilhões eu posso tirar de uma aplicação financeira e levar para outra. Mas eu não posso utilizar o recurso”, diz Marcos Novais, superintendente executivo da Abramge.
Segundo ele, houve uma interpretação equivocada desses valores, o que provocou uma avalanche de propostas de assembleias legislativas estaduais e do próprio Congresso Nacional. Os textos propõem desde a redução no valor das mensalidades até a proibição de cancelamentos de contratos inadimplentes durante a pandemia.
“A liberação de R$ 15 bilhões até nos daria um certo conforto de caixa, mas nem esse recurso blindaria o setor da crise. Cada operadora teria direito a uma fatia. Para quase metade delas, esse recurso equivaleria a 15 dias de pagamentos. Ou seja, alivia o meu caixa em 15 dias”, afirma Novais.
Em nota, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que representa 16 grupos de seguradoras e planos, diz que a extensão e a natureza das contrapartidas apresentadas pela ANS para o acesso aos recursos dessas reservas acabaram por tornar inviável a sua utilização.
Segundo a entidade, as associadas concluíram que não poderiam assumir o compromisso de manter a cobertura ou deixar de cancelar contratos inadimplentes de forma indistinta até 30 de junho.
“Diante das perspectivas de elevação significativa de gastos assistenciais no curto prazo, o desafio das associadas tem sido, cada vez mais, adequar seu fluxo de receitas, que tende a ser agravado pelo aumento da inadimplência, com a necessidade de continuar garantindo suporte financeiro tempestivo à rede de prestadores de serviços médico-hospitalares”, diz.
A FenaSaúde reforça que, mesmo não tendo assinado o termo, grande parte das operadoras suspendeu por 90 dias, a partir de sexta (1°), reajustes de mensalidades.
Para o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a atitude das operadoras desperta indignação. “É uma mensagem clara: se for para atender inadimplentes durante a pandemia, as operadoras preferem ficar sem a ajuda financeira disponibilizada pela agência reguladora”, diz.
Segundo o Idec, consumidores que por muito tempo pagaram seus planos de saúde em dia e que, por conta de dificuldades financeiras, atrasarão suas mensalidades poderão ficar sem atendimento.
Para o instituto, os argumentos das entidades não são razoáveis por duas razões: as despesas com plano de saúde tendem a ser as últimas a serem cortadas pelos consumidores, e, com a pandemia, ocorreram muitos cancelamentos de procedimentos eletivos, o que reduz a pressão financeira sobre as empresas.
Na avaliação da ANS, as empresas que optaram por não aderir indicam que estão em boa situação de liquidez e que, portanto, não precisam recorrer às reservas técnicas. Ainda assim, a ANS diz que orientou as operadoras a se esforçarem para manter os contratos dos beneficiários.
A legislação garante aos beneficiários a permanência no plano em caso de inadimplência por até 60 dias, consecutivos ou não. É proibida a rescisão ou suspensão unilateral por iniciativa da operadora, qualquer que seja o motivo, durante a internação de titular ou de dependente.
Em planos coletivos, as condições para exclusão do beneficiário devem estar previstas em contrato. Antes da rescisão, o beneficiário tem direito a todos os procedimentos contratados, não podendo ter nenhum atendimento negado ou mesmo ser constrangido por estar inadimplente.
Fonte: Folha de SP