As unidades de saúde de São Paulo já estão lotadas de pacientes com covid-19. Na linha de frente estão os enfermeiros, que precisam dos EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), compostos por máscaras, luvas, aventais, óculos e gorros para atendimento, mas nem sempre o material obrigatório está disponível. E, quando está, não atende aos padrões exigidos. "Uma máscara descartável tem que ser trocada a cada duas horas e trabalhamos seis. Ninguém pede porque cria o maior mal estar, mas nos sentimos expostos. A máscara confeccionada por voluntários, ninguém usou", disse uma profissional da AMA/UBS Integrada Jardim Helena, no extremo leste da capital, que não quer se identificar.
A enfermeira denunciou a situação enfrentada ao Coren e, em fotos, mostrou os aventais e máscaras descartáveis recebidos, que foram produzidos pelo voluntariado. Eles são de um tecido ultra fino e transparente, além de frágil, impróprio para uso por profissionais de saúde como forma de proteção.
"Há semanas temos problemas com EPIs. Aqui e no AMA Jardim Brasília não tem avental impermeável, utilizado em atendimentos graves, como parada cardiorrespiratória e aspiração endotraqueal, procedimentos mais invasivos. No geral, usamos a máscara N95, que temos uma só, para atendimento de paciente suspeito de covid-19", revelou.
O Coren de São Paulo (Conselho Regional de Enfermagem) recebeu 1.311 denúncias por falta ou racionamento de EPIs em todo o estado. Foram 792 reclamações de ausência de equipamentos de proteção entre 1º de março e 14 de abril e outras 479 queixas por impedimento de uso de EPI pela chefia.
Uma enfermeira relata situações como esta: "No Jardim Brasília, uma funcionária foi advertida formalmente no começo da pandemia porque ela e a equipe estavam usando máscaras. Disseram que causaria alarde na população e a fizeram tirar. Ela ficou super constrangida".
A enfermeira e conselheira do Coren São Paulo, Érica Chagas Araújo, afirmou que as denúncias de falta de EPIs dispararam desde o agravamento da pandemia. "Esta é uma realidade que impacta fortemente os profissionais. Por outro lado, as instituições relatam dificuldade de aquisição dos materiais e também forte alta dos preços de insumos. Mas se houver risco ao profissional, encaminhamos o caso ao Ministério Público do Trabalho", explicou.
Outras denúncias foram registradas no Coren, sendo 91 por trabalhadores no chamado grupo de risco, 31 por falta de funcionários, 16 por deslocamento forçado de setor e oito por violência contra os profissionais.
"É a primeira vez que recebemos denúncia de o cidadão ser agredido por estar vestido de branco e andando nas ruas. Há até agressões físicas graves, além de verbais. Ele é visto como um meio de contaminação pelo coronavírus", afirmou Érica Chagas. Ela ressaltou ainda que, antes, já havia queixas por violência, mas eram de outra natureza. Em geral, o enfermeiro era agredido pela demora no atendimento, ou seja, durante o exercício da função.
Os profissionais da rede de saúde revelam ainda se sentir pressionados a trabalhar. "Não há preocupação com o funcionário. Apenas com a aparência de qualquer processo de trabalho. Sem contar a coação, o estímulo negativo que usam para pressionar o funcionário a dar mais. A primeira reunião que tivemos sobre a pandemia, a frase usada em tom de ameaça foi 'isso vai servir para ver quem veste a camisa. Quero só ver agora quem é quem", revelou a enfermeira da AMA.
Para Érica Chagas, há, de fato, uma carga pesada sendo carregada pelos 575.392 profissionais de enfermagem que atuam no estado de São Paulo. "A gente vai em direção à doença, o que gera um stress ao profissional, que tem que chegar em casa e resguardar os seus. Há uma piora na saúde mental com o aumento do número de casos da covid-19".
Afastamentos
O Coren e o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) acompanham o número de profissionais da enfermagem que foram afastados da função por causa da covid-19 em todo o estado: 1.016 trabalhadores. São 740 pessoas em quarentena com suspeita de infecção pelo novo coronavírus, sendo que 50 estão internadas. Já 213 tiveram o diagnóstico confirmado para a doença e sete pessoas morreram por covid-19. Outros seis óbitos são investigados.
A conselheira do Coren, Érica Chagas, destaca o fato de que, sem EPIs, aumentam as chances de contaminação pelo coronavírus e os afastamentos. "Isso impacta também no quadro de funcionários em atendimento nas unidades e na qualidade da assistência prestada, porque o profissional fica sobrecarregado", argumentou.
Para aliviar a pressão, suporte emocional é oferecido à categoria no projeto "Cuidando de quem cuida". A ideia é trabalhar temas comuns aos profissionais que já lidam no dia-a-dia com a questão de vida e morte e sobrecarga de trabalho.
Denúncias
O Coren faz uma sondagem sobre a falta de EPIs e criou um espaço para denúncias. Também foram enviadas perguntas por e-mail aos profissionais de enfermagem. O objetivo é saber a real dimensão do problema enfrentado pela categoria.
A instituição criou ainda um chat para esclarecimento de dúvidas em tempo real e já foram realizados 5.560 atendimentos. O Coren sabe que pode haver represálias para que a denúncia não seja formalizada, por isso a queixa é sigilosa. "Com foco na covid-19, a fiscalização é surpresa para ser assertiva. Há um cronograma de visitas agendadas e precisa ser rapidamente cumprido", afirmou Érica Chagas.
Segundo o Conselho, todas as denúncias são averiguadas, com possibilidade de notificação às instituições e encaminhamento ao Ministério Público do Trabalho. O Coren faz também reuniões com as secretarias de saúde e sindicatos para cobrar a entrega dos EPIs o quanto antes.
O outro lado
A Prefeitura de São Paulo informou, em nota, que negocia a compra de 12 milhões de máscaras cirúrgicas e um milhão do modelo N95, além de aventais impermeáveis, e recebeu doações de máscaras acrílicas para utilização nas unidades da rede municipal de saúde. "As compras ocorrem apesar da escassez de insumos médicos no mercado global".
A Secretaria Municipal de Saúde disse que procura manter os estoques de EPIs abastecidos para o uso dos profissionais envolvidos no atendimento a pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave. Ressalta ainda que a demanda por máscaras de proteção aumentou de 250 mil para dois milhões ao mês. Ainda assim, garante que a "utilização dos EPI’s está sendo feita de acordo com o protocolo do Ministério da Saúde".
A Pasta destacou também que importou testes para covid-19 que serão usados, em parte, em profissionais de saúde que apresentarem sintomas. A Prefeitura ressaltou ainda que vai receber duas remessas de 50 mil máscaras do Banco Chinês e mil macacões.
Fonte: R7