Este texto é um pedido: deixe sua empregada em casa durante a crise de coronavírus e siga pagando seu salário ou diária. Essas mulheres, em sua maioria, são mães, chefes de família e financeiramente vulneráveis.
Como netos, filhos e sobrinhos de mulheres que encontraram no trabalho doméstico a solução para não morrer de fome – as mulheres de nossa família são migrantes do interior e chegaram à cidade grande apenas com a roupa do corpo —, afirmamos: sua empregada dificilmente pedirá quarentena. O motivo? Ela precisa do salário.
Temos 20 e poucos anos, fazemos faculdade e estágio, e agora estamos de home office por tempo indeterminado por conta do coronavírus. O nosso trabalho nos permite isso. Mas nossas avós, mães e tias não têm essa opção.
Nos últimos dias, o primeiro caso de transmissão local do novo coronavírus chamou atenção dos leitores da coluna do Lauro Jardim. Os patrões, moradores de um bairro de classe alta do Rio de Janeiro, foram testados positivo para a covid-19 e se colocaram em quarentena — com a empregada não infectada junto.
Outro caso aconteceu em Feira de Santana, na Bahia: uma mulher que voltou de viagem da Itália, contaminou sua empregada que, por sua vez, contaminou seus pais idosos. O mais recente, ocorrido em Miguel Pereira, no Rio de Janeiro, foi fatal: uma idosa de 63 anos faleceu com sintomas de coronavírus. A vítima teve contato com sua empregadora, que veio da Itália e testou positivo para a covid-19. A morte foi confirmada na estatística do coronavírus.
Quem cresceu sentindo os efeitos da falta de direitos básicos trabalhar em condições de risco não assustam. Pelo contrário: fazem parte da história das mulheres de nossas famílias que relatam situações de desmandos e prepotência na casa dos patrões.
É sobre opressão social que falamos. Para manter seus privilégios, empregadores têm colocado em risco a vida da empregada, da família da empregada, a sua própria vida e a vida de sua família — sem contar o trajeto que a empregada faz na ida e na volta, porque o rastro de pessoas infectadas pode ser enorme. A cada espirro ou tosse de alguém dentro do ônibus, elas nos relatam ter um ataque de pânico com medo de contrair o vírus.
Já mostramos que o coronavírus não é democrático. O contágio pode afetar gente de diferentes classes sociais, mas nem todos terão o mesmo acesso a tratamento médico. Enquanto empregados morrem, seus patrões infectados seguem vivos. E não é difícil adivinhar o porquê: muitas mal têm acesso à água potável para consumo, que dirá para lavar as mãos regularmente. Além disso, as condições exigentes de trabalho e de vida as deixam com a saúde mais frágil.
Mas, afinal, qual é a saída?
Trabalhadores que contribuem com o INSS podem solicitar o auxílio doença, mas eles terão de enfrentar uma grande fila de espera para receber o benefício. O caso das diaristas é ainda mais complexo: grande parte delas não contribui com a previdência como microempreendedor individual e não têm carteira assinada. Em um cenário de pandemia, o correto seria um acordo entre empregador e empregado, com uma antecipação mínima de 14 dias das férias e a remuneração do empregado durante esse período.
Em tempos de recessão econômica, contrariar o empregador não é opção para quem precisa colocar comida na mesa. Por isso, ainda que o seu funcionário não tenha falado sobre a preocupação com o coronavírus, não aja como se a contaminação não fosse chegar até você. Proponha férias antecipadas e remuneradas.
Não considere normal não pagar suas funcionárias que não irão trabalhar nesta crise. Não as deixem desamparadas financeiramente. O momento pede solidariedade e empatia. Precisamos estar unidos para sair dessa.
Ana Paula Carvalho
Estagiária de jornalismo / The Intercep