Uma análise estatística do primeiro grande surto do novo coronavírus, na China, indica que quase 90% das pessoas doentes passaram despercebidas quando ainda não havia restrições de viagens em território chinês. O resultado, que acaba de ser publicado na revista especializada Science, indica que o grande avanço da doença pelo país e pelo mundo ocorreu, em grande parte, por causa do movimento de pessoas com sintomas relativamente leves ou mesmo sem sintomas.
Coordenado por Ruiyun Li, da Faculdade de Medicina do Imperial College de Londres, o trabalho é essencialmente uma tentativa de encontrar padrões matemáticos nos processos de espalhamento da doença durante os primeiros meses de 2020.
O grupo liderado por Li levou em conta dois pontos de partida: o fato de que restrições severas a viagens dentro da China foram impostas no dia 23 de janeiro e o de que o surto coincidiu com o período do Festival da Primavera chinês (o chamado “Chunyun”), que dura 40 dias e no qual as viagens de longa distância são comuns.
Ocorre que, pouco tempo após o início das restrições, em 8 de fevereiro, o total de casos confirmados era de apenas 801 em todo o território chinês. O número atual, porém, é de mais de 80 mil, com um total de mortes superior a 3.000, apenas um mês e meio depois.
Para explicar esse abismo numérico entre os dois momentos, os pesquisadores decidiram centrar sua análise no período entre os dias 10 e 23 de janeiro, quando o Festival da Primavera já tinha começado e ainda era possível viajar China afora sem muitos problemas.
Eles levaram em conta as viagens computadas no mesmo período durante o ano de 2018 e calcularam qual seria a taxa básica de transmissão do vírus —ou seja, quantas outras pessoas cada doente (ou contaminado sem sintomas) acabou infectando com o patógeno.
De acordo com a nova pesquisa, os números só batem se 86% das infecções não tiverem sido computadas até o dia 23 de janeiro de 2020. O grupo calcula que os casos documentados da doença provavelmente eram mais eficientes no processo da transmissão —provavelmente por terem sintomas mais intensos, como tosse, e produzirem mais vírus— mas os casos não detectados, muito provavelmente mais leves, conseguiam passar adiante o vírus com 55% da eficácia dos mais severos.
Para a equipe de cientistas, as medidas de restrição, junto com o isolamento social e os cuidados com a higiene, foram eficazes para reduzir a velocidade da transmissão dentro da China. No entanto, não está claro quando será possível parar com essas medidas sem que haja um retorno do surto, dizem eles.
Fonte: Folha de SP