Investimentos pesados, no entanto, dependem de liberação do plantio, afirma HempMeds Brasil
Em 2014, quando as dificuldades para o acesso a medicamentos à base de canabidiol, substância derivada da maconha, foram expostas no documentário “Ilegal”, que conta a história de Anny, uma menina com epilepsia e a doença rara CDKL5, sua família comprava o remédio da HempMeds Brasil, subsidiária da holding americana Medical Marijuana Inc.
A repercussão foi determinante para esquentar o debate sobre a regulamentação desse tipo de produto no Brasil, cuja importação foi aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no ano seguinte. Desde então, as empresas viram pouca evolução.
Nesta terça-feira (3), a agência aprovou novas regras ao registro de produtos à base de Cannabis para fins medicinais, incluindo fabricação local e venda na farmácia.
A HempMeds Brasil, considerada a primeira habilitada a importar no país, encarou a medida como um passo importante para a indústria farmacêutica, em especial para reduzir o custo do produto, que tem 50% da formação em dólar.
Essa mudança, porém, não atrai os maiores investimentos, que costumam acompanhar o cultivo. Na avaliação da presidente da empresa, Caroline Heinz, 34, a liberação do plantio dificilmente sai neste governo. Por telefone, ela falou à Folha de San Diego, na Califórnia, de onde trabalha.
Qual o modelo de negócios de vocês? A HempMeds Brasil foi a primeira empresa autorizada a importar no Brasil. Em 2013, a família Fischer, da Katiele, Anny e Norberto [Relações Institucionais da empresa], descobriu uma família no Texas que enfrentava a mesma doença de Anny, à época com cinco anos. Katiele [mãe brasileira]começou a comprar esse medicamento da gente, que enviava dos EUA, até o dia em que a Anvisa segurou a mercadoria, abriu o pacote e falou: ‘Opa, hemp!’.
O produto ficou represado, a Anny começou a ter muitas crises novamente, e a história estourou. A Katiele entrou com processo judicial, conseguiu a liberação para importar e outras 14 famílias fizeram o mesmo. A Anvisa, então, regulamentou, e, desde então o modelo de negócios segue o mesmo: importar o produto extraído do óleo de cânhamo para pessoas físicas e a órgãos governamentais.
O que muda com a decisão desta terça? Esse medicamento tem metade do custo em dólar. Em 2015, vimos a moeda bater R$ 4,60, tivemos que baixar o valor em 45%, senão as pessoas ficavam sem remédio.
Um produto que custa US$ 300 [R$ 1.200] fica inviável com dólar nesse patamar. As famílias começaram a entrar na Justiça pedindo para o governo pagar, Ministério da Saúde, secretarias. A nova regulamentação flexibiliza os registros e permite a venda em farmácia. O produto não ficará mais preso na alfândega. Ter o medicamento disponível na esquina é um grande avanço.
Mas o preço vai baixar? Com a possibilidade de produção nacional, nem que seja, para fazer o envase —porque a regulamentação de plantio não passou—, esperamos que caia o custo do produto final ao paciente. Neste primeiro momento, só devem liberar a pacientes com tumores epilepsia, então registraremos dois remédios, que não têm aditivos além do extrato do cânhamo.
Não sei dizer quanto vai cair porque alguns estados têm flexibilizações de imposto. Mas, considerando o dólar nesse patamar, o preço será um quarto do atual. Temos parceria com uma empresa que terceiriza a outras medicamentos, ela vai receber nosso IFA [insumo farmacêutico ativo], vamos enviar o óleo e faremos o processo de envase e embalagem no Brasil.
Outras empresas consideram o processo aqui muito lento. Essa medida vai trazer investimento externo? Há chances pelo tamanho da população. Se compararmos com o Canadá, eles não têm o que fazer com o que produzem porque não tem quem consuma. Temos 3 milhões de pessoas com epilepsia, 2 milhões com autismo, além de muitos milhões com dores crônicas. Há 9.000 pessoas que importam esse medicamento, vamos multiplicar para 5 milhões, sem contar os com dor crônica. É um mercado que pode movimentar bilhões.
Vocês irão investir? No momento que liberar cultivo, temos total interesse em reproduzir o que fazemos nos Estados Unidos.
Vê essa possibilidade neste governo? O ministro Osmar Terra [Cidadania] faz forte oposição? Não acredito que isso venha agora. Não vamos colocar o carro na frente dos bois para que não haja furo em nenhum tipo de regulamentação. Nossos governantes precisam estudar e entender mais o tema.
Quando Osmar Terra fala na consulta pública de medicamento sobre política antidroga, você vê que é um discurso para confundir. Se mencionamos cânhamo, outra planta, que ninguém fuma ou tem overdose com ela, sai da sala e não escuta. A desinformação controla o povo, precisamos informar com qualidade.
Fonte: Folha de São Paulo