Em meio ao quadro de lenta recuperação da qualidade do emprego no País, que atingiu número recorde de 24 milhões trabalhadores atuando por conta própria no trimestre encerrado em maio, alguns setores começam a esboçar reação na geração de vagas formais.
A recuperação é puxada por setores de serviços como saúde e educação, onde o total de vagas com carteira assinada avançou 3,1% no primeiro trimestre do ano ante mesmo período de 2018, o equivalente a 240 mil vagas, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“A estrutura de crescimento do Brasil está sendo liderada pelo setor de serviços já há algum tempo. E os setores de serviços mais qualificados são mais formais. Os trabalhadores são mais escolarizados, mais produtivos, ao contrário do que acontece em transporte e alimentação, por exemplo”, explica Maria Andreia Lameiras, técnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea.
O estudo do Ipea considera os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os demais segmentos com crescimento no emprego formal em um ano foram administração pública (aumento de 1,5% no total de trabalhadores com carteira assinada, 60,6 mil vagas a mais), indústria extrativa (avanço de 1,4%, com mais 4,6 mil vagas), serviços pessoais (alta de 1,2%, mais 12 mil vagas) e atividade financeira, imobiliária e serviços prestados a empresas (elevação de 0,9%, mais 57,5 mil vagas).
A arquiteta e analista de marketing digital Nathalia Borghi, 28 anos, acaba de ter a carteira assinada pelo portal de ensino a distância ProEnem, no Rio de Janeiro. Com 1,3 milhão de alunos, a plataforma é especializada na preparação online de estudantes do Ensino Médio para o Enem e para concursos militares, pelo ProMilitares. “Com a divisão em dois braços distintos, eles passaram a contratar também para cargos como programador e editor de vídeo. O bacana é que estão formando novas equipes, não só substituindo profissionais. Meu papel é cuidar da performance no YouTube”, diz. Além dela, outros quatro funcionários foram contratados só no último mês.
Maria Andreia não descarta que o movimento de consolidações e aquisições nos setores privados de saúde e de educação superior possa ter contribuído para as contratações. Para Carlos Henrique Leite Corseuil, técnico da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, ambas as áreas mostram crescimento, o que naturalmente aumenta o número de trabalhadores atuando nesses setores, seja com carteira assinada, de forma autônoma ou via informalidade.
O diretor de serviços compartilhados da Sociedade Beneficente de Senhoras Sírio-Libanês, Edi Souza, acredita que o setor de saúde suplementar esteja passando por uma retomada, após perder, com a recessão, quase três milhões de usuários entre 2014 e 2017. Segundo Souza, desde então aumentou o número de hospitais e de contratações. Apenas a rede hospitalar Sírio-Libanês abriu mais de 700 vagas com carteira assinada – entre médicos, enfermeiros e técnicos – de janeiro a abril de 2019.
Postos fechados
A recuperação do emprego formal, no entanto, ainda não se estende a todos os setores da economia. Entre as 13 atividades econômicas monitoradas pelo Ipea, 8 registraram fechamento de postos de trabalho com carteira assinada no período de um ano, entre elas a indústria de transformação (-38,4 mil vagas no 1.º trimestre de 2019 ante o 1.º trimestre de 2018) e a construção civil (-10,8 mil).
“A geração de empregos está reproduzindo a estrutura do PIB (Produto Interno Bruto). Tem uma indústria que cada vez contrata menos, cada vez encolhe mais. A geração de vagas acompanha a dinâmica da economia”, disse Maria Andreia.
Dos 10,4 milhões de empregados da indústria de transformação no 1.º trimestre, 63% tinham carteira assinada. Nos serviços, a proporção era de apenas 40%. No comércio, a carteira assinada alcançava 46,2% dos empregados, lembrou o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
“A indústria é a atividade com maior taxa de formalização de empregados. Na virada de 2017 para 2018, o setor liderava a geração de vagas formais. Isso se perdeu, porque o ritmo de produção foi reduzindo, então foi se perdendo o ritmo de recomposição do emprego”, justificou Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi. Ele lembra que o emprego formal é fundamental para o crescimento econômico, porque os trabalhadores garantem renda mais elevada e estável, o que permite acesso ao mercado de crédito formal e potencializa o poder de compra. “É uma variável importante para potencializar o crescimento do PIB.”
Fonte: Estadão