por Leonardo Sakamoto
Considerado um importante instrumento de redistribuição de renda, a taxação de dividendos (o lucro distribuído aos acionistas de empresas) pode voltar ao Brasil a depender de quem vença a corrida eleitoral à Presidência. Dos principais candidatos, alguns deram declarações favoráveis, outros se mostraram contrários e existe quem não sabe o paradeiro desse tal de dividendo – mas, se encontrá-lo, promete botar o vagabundo no saco até que confesse.
Removida durante o governo Fernando Henrique, a taxação de 15% não resolverá o problema fiscal. Mas seria um sinal de que o Estado desistiu de ser subserviente aos mais ricos (que, proporcionalmente, pagam menos imposto que a classe média) e decidiu equilibrar um pouquinho mais o jogo. Entre os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas o Brasil e a poderosa e gloriosa Estônia não taxam dividendos.
O mesmo vale para o Imposto de Renda, que está esfolando a classe média, e precisa de uma correção urgente, um aumento no piso de isenção e a criação de alíquotas maiores, de 30%, 35% e 40% para quem ganha muito.
Atenção, lunáticos que confundem progressivo (relativo àquilo que cobra mais de quem mais tem) com coisa só de progressista: a proposta já foi discutida até pela do pré-candidato Henrique Meirelles quando ele era ministro da Fazenda. Uma formulação nesse sentido quase foi apresentada, mas acabou espancada pela parte mais rica da opinião pública.
Seguimos, portanto, espoliando os mais pobres através de impostos sobre o consumo e cobrando mais – relativamente - da classe média. Estes, tendo acumulando méritos ao longo da vida repassam a fim de que seus filhos e filhas possam vencer com a ajuda do mérito herdado.
Afinal de contas, a meritocracia é hereditária no Brasil.
Em números: para que os descendentes de um casal de brasileiros que está entre no 10% mais pobre atinjam o rendimento médio do país seriam necessárias nove gerações – também segundo a OCDE. E se um casal tem duas vezes mais renda que outro casal, os filhos do mais rico vão ganhar 70% mais que os filhos do mais pobre. Em países como a Finlândia, essa proporção é de 20%.
O combate à violência, que mata mais de 60 mil pessoas por ano, e ao desemprego dos mais de 13 milhões de pessoas serão as pautas mais importantes da campanha por dizerem respeito ao básico: viver, vestir e comer. Mas se o próximo mandatário resolver implementar uma solução para esses problemas que não seja superficial, nem pontual, terá que enfrentar a estrutura de desigualdade que não se resume à concentração de renda.
A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.
Somos uma bomba-relógio de desigualdade. Que só não estourou ainda por que levanta de madrugada todos os dias para trabalhar, chega cansado em casa após estudar à noite e, aos finais de semana, faz bico vendendo churrasquinho ou erguendo parede.
Como já disse aqui, combater a desigualdade não significa fazer todo mundo vestir um mesmo tipo de roupa, comer a mesma comida, receber o mesmo salário, viver no mesmo tipo de casa. Mas garantir oportunidades iguais, pelo menos no início da caminhada de cada um, e depois atuar para que todos tenham seus direitos efetivados.
Essa pauta é a diferença entre um projeto de poder e um projeto de país. Difícil fazê-la avançar, considerando que – se você olhar bem de perto – perceberá que está escrito ''auxílio-moradia'' naquela faixa branca que rasga o círculo azul da bandeira nacional. Pelo menos é o que diz quem faz as leis, quem as executa e quem julga seu cumprimento.
* Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.