Malavolta Jr. |
|
Juíza Ana Cláudia: "Mudança gerou maior responsabilidade sobre os pedidos, mas dificultou acesso à Justiça" |
Em vigor desde novembro do ano passado, a Reforma Trabalhista provocou a queda do número de ações protocoladas na Justiça do Trabalho em Bauru. Em janeiro de 2018, foram contabilizados 295 novos processos, quantidade 40% menor do que a somada no mesmo mês de 2017, quando foram registradas 489 ações.
Segundo a diretora do Fórum Trabalhista, a juíza Ana Cláudia Pires Ferreira de Lima, a redução tem relação direta com uma mudança imposta pela nova lei: a possibilidade de condenação de trabalhadores ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência. A novidade prevê que a parte sucumbente, ou seja, que perde algum pedido na Justiça do Trabalho, deve pagar ao advogado da parte contrária de 5% a 15% sobre o valor da condenação.
É uma regra que não existia antes e que, agora, tem gerado insegurança entre trabalhadores e advogados que os representam. O temor é de que a iniciativa de processar o empregador possa sair caro.
Para exemplificar esta possibilidade, a juíza cita uma ação hipotética que requer R$ 5 mil em verbas rescisórias, com pedido de R$ 20 mil por danos morais e mais R$ 15 mil por insalubridade. Se somente as verbas rescisórias forem deferidas pela Justiça, o trabalhador terá de pagar honorários sobre os R$ 35 mil perdidos, cujo valor vai variar de R$ 1.750,00 a R$ 5.250,00. "Ou seja, o valor do honorário de sucumbência que o trabalhador terá de pagar poderá ser superior ao crédito que ele tem a receber", destaca.
Da mesma forma, as empresas também deverão fazer o mesmo tipo de pagamento ao advogado do trabalhador sobre os pedidos em que forem vencidas. Antes, para as ações de relação de emprego, estes honorários só eram devidos pelo empregador quando o trabalhador era assistido por sindicato da categoria ou beneficiário da Justiça gratuita - o que ainda continua valendo.
Por outro lado, o trabalhador que recebe até R$ 2.212,00 de salário e tem acesso à Justiça gratuita pode não ser obrigado a arcar com os honorários de sucumbência, se tiver pedidos indeferidos em uma ação. "O pagamento deverá ser feito, porém, se ele tiver obtido créditos suficientes na mesma ação ou em outro processo ou se, em dois anos, a parte contrária conseguir demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos econômicos deste trabalhador", detalha a diretora.
VALORES MENORES
Além da queda no número de ações ajuizadas, a Reforma Trabalhista também alterou o perfil dos processos que chegam ao Fórum Trabalhista de Bauru. Segundo Ana Cláudia, com as novas regras, a maior parcela das ações propostas passou a ser de pedidos de menor valor, de até 40 salários mínimos.
"Antes, não havia qualquer consequência diante da improcedência dos pedidos, a não ser nos casos de flagrante má-fé. Agora, o trabalhador está mais cauteloso, pedindo somente aquilo que, efetivamente, ele sabe que conseguirá comprovar que tem direito, como é o caso de verbas rescisórias. Já para os pedidos que envolvem perícia, como um adicional de periculosidade, insalubridade ou alegação de doença ocupacional, o risco da causa é maior", pondera.
A juíza avalia que, se, por um lado, a mudança gerou maior responsabilidade sobre os pedidos, por outro, provocou maior dificuldade de acesso à Justiça. "Em determinados casos, o trabalhador pode até ter direito a receber, por exemplo, horas extras, mas não consegue comprovar no processo", observa.
TENDÊNCIA
A juíza Ana Cláudia Pires Ferreira de Lima acredita que a alteração do perfil das ações trabalhistas se manterá a partir deste ano, em razão da reforma. Ela avalia, porém, que o volume de processos voltará a crescer, superado este momento de cautela. "Acredito que a média de janeiro é uma realidade isolada, enquanto as partes estão aguardam o posicionamento do Judiciário diante das mudanças. De toda forma, o recomendado é que haja maior diálogo entre as partes na busca da conciliação, já que ambos podem ser obrigados a pagar os honorários de sucumbência".
CAUTELA PARA TODOS OS LADOS
Se trabalhadores e advogados que os representam estão cautelosos, a mesma postura é recomendada aos empregadores diante da Reforma Trabalhista. Isso porque, segundo a juíza Ana Cláudia Pires Ferreira de Lima, a constitucionalidade de vários artigos introduzidos pela nova lei vêm sendo questionada.
"Um exemplo é a permissão do negociado sobre o legislado. A Constituição prevê apenas três hipóteses de redução dos direitos legais mediante negociação coletiva: redução de salário, compensação de jornada e fixação de jornada em turnos ininterruptos de revezamento. É preciso haver uma interpretação sistemática, considerando a Constituição Federal, e ter cautela em qualquer alteração feita com base em alguns artigos da reforma, que podem vir a ser julgados inconstitucionais", detalha.
Especialista avalia que complexidade de processos aumentará
Renan Casal |
|
Júlio César Marin destaca a reinterpretação de várias normas |
Se, por um lado, o Fórum Trabalhista de Bauru registrou considerável queda no número de ações em janeiro, a complexidade dos processos deve aumentar. A avaliação é feita pelo professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Instituição Toledo de Ensino (ITE) e da Universidade Brasil, o juiz trabalhista Júlio César Marin do Carmo.
"Já estamos recebendo muitas ações relativas à constitucionalidade da contribuição sindical, por exemplo, que passou agora a ser facultativa. E os sindicatos estão questionando isso. Outro aspecto é a cobrança de honorários de sucumbência quando se tratar de Justiça gratuita", aponta o professor.
REINTERPRETAÇÃO
Ele lembra que a Reforma Trabalhista alterou quase 130 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que demandará a reinterpretação de várias normas.
"Aquilo que estava pacificado, hoje já não é mais. Então, num futuro bem próximo, deveremos ter um acréscimo de ações, porque houve uma certa instabilidade. Somente no decorrer dos próximos anos, com a reinterpretação destas várias normas, é que a jurisprudência vai se consolidar", analisa Júlio César Marin do Carmo.
'Mudanças chegaram para corrigir antigas distorções da legislação'
Malavolta Jr. |
|
Elion Pontechelle Junior |
Consultor jurídico da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Elion Pontechelle Júnior avalia que a Reforma Trabalhista, em especial a cobrança de honorários de sucumbência, chegou para corrigir distorções.
"Antes, a pessoa saía do emprego e, depois de ter recebido tudo o que tinha direito, ainda pleiteava um monte de coisas que não tinha como provar. E a empresa acabava sendo condenada porque não apresentou um documento ou porque a testemunha do reclamante falou algo e o patrão não tinha como contrapor", argumenta.
Outra mudança que ele considera importante é a obrigatoriedade de apresentar, na ação, os pedidos de forma clara e detalhada. "O trabalhador que requer o pagamento de horas extras, por exemplo, agora precisa informar quantas horas foram trabalhadas e o valor correspondente", acrescenta o advogado.
Pontechelle Júnior ainda considera uma " alteração interessante" a restrição do direito de assistência judiciária gratuita. "Na lei anterior, todo empregado tinha este direito. Hoje, para ser beneficiário, o trabalhador tem que provar que tem renda inferior a R$ 2.212,00", observa.
'A nova lei como um todo é ruim, pois retira direitos do trabalhador'
Samantha Ciuffa |
|
Arthur Monteiro Junior |
Advogado trabalhista do Sindicato dos Professores de Bauru e Região (Sinprobau) e do Sindicato dos Radialistas do Estado de São Paulo, Arthur Monteiro Junior destaca que o momento, agora, é de cautela, devido ao risco que o trabalhador passou a ter de ser obrigado a pagar honorários ao advogado da empresa ao perder uma ação.
"O primeiro efeito negativo da Reforma Trabalhista é a cobrança dos honorários de sucumbência, que penaliza o trabalhador. Mas a nova legislação como um todo é ruim, porque retira direitos dos trabalhadores e legaliza situações irregulares, como as jornadas intermitentes e a terceirização generalizada", considera.
Ele critica, ainda, o endurecimento de algumas regras, como os quesitos, agora exigidos, para a comprovação de danos morais, cujo valor ficou condicionado ao salário que o empregado recebia na empresa. "Ou seja, quem tem salário maior tem direito a pleitear mais. Hoje, é mais seguro para o empregador assediar uma faxineira do que um gerente. E a série de quesitos praticamente inviabiliza a prova do trabalhador, já que é as práticas que geram dano moral, normalmente, são feita entre quatro paredes", pondera.