POR ROBERTO LIVIANU
Há 20 dias, o governo tenta empossar a ministra do Trabalho que nomeou, impedida por decisão da Justiça Federal de Niterói mantida pelo TRF e pela presidente do STF, por violação ao princípio da moralidade administrativa. A tese do governo é a de que tem poder discricionário de escolha dos ministros e a política não pode ser judicializada.
O fundamento da ação popular, que pode ser proposta por qualquer eleitor contra atos lesivos ao patrimônio público, é que o poder de escolha não pode ser um cheque em branco e que existem limites, estabelecidos pela Constituição.
O saldo é chocante —a percepção da fragilidade de um governo, cuja aprovação anda na casa dos 5%, que não consegue nem sequer fazer uma escolha de ministro que passe pelo filtro mínimo da moralidade administrativa, nunca sendo demais lembrar que dois deles estão presos (Geddel Vieira Lima e Henrique Alves), além dos investigados Eliseu Padilha e Moreira Franco.
O próprio Temer foi denunciado criminalmente duas vezes e, após o fim de seu mandato, a ação penal seguirá. O tema é sempre a violação ao patrimônio público.
É óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues (1912-1980), que Temer não recua em relação à escolha da ministra por interesse nos votos do respectivo partido (PTB) na reforma da Previdência, o que escancara as motivações de muitos deputados favoráveis a ela.
No entanto, poderiam nomeante e nomeada pelo menos tentar disfarçar suas reais intenções. A coluna Painel desta Folha, de 24/1, revela que a nomeada vê o impasse jurídico estabelecido como ameaça à sua reeleição para deputada federal. E o ministro Carlos Marun afirmou, em artigo também nesta Folha (28/1), que a Justiça não pode impedir a governabilidade.
Hoje é dia 31/1. As desincompatibilizações precisam necessariamente ocorrer até 7/4 —seis meses antes das eleições de 7/10—, e a declaração de Cristiane Brasil deixa algo claro: será candidata em outubro.
Supondo que ao fim do recesso do Judiciário o STF, na melhor hipótese, revogue em seu primeiro dia de trabalho, nesta quinta (1º), a liminar concedida pela ministra Carmen Lúcia e que a posse ocorra no dia seguinte (isso dificilmente ocorrerá), Cristiane seria empossada para ocupar o cargo de 2/2 a 6/4.
Exatamente 63 dias, na melhor hipótese, seria o tempo total previamente sabido de exercício da função da ministra, incluídos o Carnaval e os fins de semana. É razoável à luz dos princípios republicanos?
Vamos supor que estivéssemos falando de um Pelé em sua área, como o médico Drauzio Varella na saúde, ou mesmo que pudéssemos trazer de volta ao mundo Nelson Mandela (1918-2013) para ser nosso ministro da Igualdade Racial. O que poderiam, do alto de suas genialidades, fazer pelo Brasil em 63 dias?
O que uma pessoa já condenada em definitivo por obrigar um colaborador a trabalhar 15 horas por dia, e que se encontrava em vias de ser novamente condenada, acrescentaria como paradigma das relações laborais exercendo a função de ministra, por 63 dias, além de enriquecer o próprio currículo e pôr seu retrato na galeria de ex-ministros?
Sem esquecer do vídeo que a nomeada acaba de divulgar com estardalhaço, gravado num iate, no qual, de forma vazia e sem nada a propor, ataca e amesquinha a própria existência da Justiça do Trabalho.
O exercício do poder na República deve se pautar pelo interesse da coletividade, e a falta desse pressuposto transforma-o em egoísmo político, gesto de desrespeito ao povo.
ROBERTO LIVIANU, 49 é promotor de Justiça em São Paulo e doutor em direito pela USP; idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção e é comentarista do "Jornal da Cultura"
Fonte: Folha de SP