O Sistema Único de Saúde (SUS) vai voltar a discutir a expansão de leitos em hospitais psiquiátricos no Brasil. Representantes das secretarias estaduais e municipais de saúde defenderam nesta quinta-feira, 31, a retomada da estratégia, em substituição à política em vigor, iniciada em 2001 que dá prioridade ao atendimento ambulatorial e, quando necessário, à internação de pacientes em hospitais gerais.
O retorno da discussão foi sugerido pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), em uma reunião com Ministério da Saúde e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems).
O coordenador Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, afirmou que a pasta não tomará nenhuma medida de forma unilateral. “Há vários problemas na saúde mental. Desejamos discuti-los”, afirmou. Nem ele nem o ministro da Saúde, Ricardo Barros, quiseram expressar opinião sobre o debate da retomada de credenciamento de hospitais psiquiátricos. Questionado, Barros respondeu apenas que as taxas de ocupação de leitos para saúde mental em hospitais gerais é muito pequena, de 15%.
Cordeiro apresentou nesta quinta um estudo sobre a área que está sob o seu comando há seis meses. Uma série de problemas foram relatados. Entre eles, a falta de controle sobre o atendimento que é de fato oferecido para pacientes, ausência de prestação de contas e recursos não aplicados para a construção de centros de atendimento ambulatorial. A verba do programa é de R$ 1,3 bi anual.
De acordo com coordenador, nos últimos seis meses, 284 dos 2.400 Centros de Atendimento Psicossocial não apresentaram dados sobre quantos pacientes foram atendidos. A informação deveria ser repassada mensalmente. O levantamento também indicou que o Ministério da Saúde repassou verba para a construção de 84 centros, que até hoje não foram concluídos. Gestores passarão serão questionados sobre o uso dos recursos.
Mas dentre todas as falhas apontadas, a baixa ocupação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais foi a que concentrou maior atenção de gestores presentes na reunião. Cordeiro afirmou que um grupo de trabalho com representantes de secretários municipais, estaduais de saúde e do ministério deverá ser formado no próximo mês para discutir o programa como um todo.
“Não há dúvida de que a volta das vagas em hospitais psiquiátricos é um dos temas mais importantes”, afirmou o secretário de Saúde do município de São Paulo, Wilson Pollara. Ele argumenta que o modelo de reserva de vagas em hospitais gerais para pacientes psiquiátricos não reúne elementos para ser bem sucedido. “Pacientes psiquiátricos precisam circular. Isso não pode ser feito em hospitais gerais. Não há condições para isso, nem segurança”, completou Pollara.
Outro argumento apresentado pelos defensores da mudança é o de que, enquanto em hospitais gerais as vagas para pacientes com problemas mentais não são usadas, em 44 hospitais psiquiátricos atuam com toda a sua capacidade. Cordeiro observa, no entanto, ser necessário levar em consideração a lógica de pagamento, que é diferente. Hospitais psiquiátricos recebem por atendimentos realizados. Portanto, quanto maior a produção, maior o rendimento. Já hospitais gerais que reservam leitos para atendimento de pacientes com distúrbios mentais, o pagamento é feito por contrato: eles recebem uma quantia fixa, independentemente de os leitos estarem ocupados. “Talvez seja importante fazer uma análise desses sistemas. Isso poderá ser também ser discutido no grupo de trabalho”, disse o coordenador.
Mal foi apresentada, a ideia de expansão de leitos em hospitais psiquiátricos foi duramente criticada por especialistas na área de saúde mental. Roberto Tikanory, ex-coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, afirma que a medida seria um retrocesso. Ele observa que o atendimento que dá prioridade aos hospitais tem alcance limitado. E como exemplo ele cita as estatísticas do próprio ministério. Em 2002, conta, foram feitos 400 mil atendimentos. Em 2010, foram 20 milhões. “Em oito anos, a assistência cresceu 50 vezes.”
Para Tikanory, os argumentos apresentados pelos gestores desrespeitam a lógica. “Se há vagas ociosas em um hospital, por que aumentar as vagas em outro? Talvez o leito não esteja ocupado não por problemas de fluxo, por redução da demanda ou até mesmo de referenciamento”.
“A mudança traria um enorme prejuízo”, afirma Pedro Henrique Marinho Carneiro, que também atuou na coordenação de saúde mental do ministério. Ele observa que a redução do uso de leitos de hospitais psiquiátricos não ocorreu à toa. “Há um acúmulo de relatos de histórias de violação de direitos humanos nessas instituições. Isso trouxe para o Brasil até mesmo condenação em cortes internacionais”, completou.