Na população idosa, frequentemente os casos de depressão são ignorados. Um estudo piloto realizado na periferia de São Paulo tentou mudar esse panorama por meio de um aplicativo, encontrando casos não diagnosticados e tratando quem tem a doença.
Os autores do projeto, chamado Proactive, desenvolveram um aplicativo que guia profissionais de saúde não especialistas –os agentes comunitários de saúde, do programa Saúde da Família –no atendimento às pessoas com mais de 60 anos.
Após serem treinados para lidar com o tema e com o software, os profissionais saíam às ruas munidos de um tablet e visitavam idosos, que poderiam ou não estar com depressão.
"No início, os idosos recebiam três atendimentos nos quais os agentes explicavam a eles o que é depressão", diz Marcia Scazufca, uma das autoras do estudo e pesquisadora do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da USP. "Muitas vezes as pessoas não sabem que estão deprimidas, elas acham que a vida é daquele jeito mesmo."
Parte das explicações dadas nas visitas dos agentes ocorria por vídeos do aplicativo. O método foi usado para conseguir prender a atenção dos idosos e facilitar a compreensão, já que vários não eram escolarizados. A ferramenta audiovisual também permite maior padronização.
Para realização do diagnóstico, o idoso, com ajuda do agente de saúde, respondia a perguntas relativamente simples no aplicativo, como "Com que frequência você se sente incomodado por ter pouco interesse ou prazer em fazer as coisas?"
As perguntas foram retiradas do PHQ-9, um reconhecido protocolo que auxilia no diagnóstico de depressão. "A depressão não é só essa coisa de chorar que vemos nos filmes. Envolve estar mais irritado, mais quieto, não dormir bem ou dormir demais, comer pouco ou comer demais", afirma Scazufca.
Depois das visitas do agente de saúde começava a chamada "fase de ativação de comportamento". Nesse momento, os agentes buscavam saber sobre as atividades preferidas dos idosos. Caso fosse possível, os pacientes eram incentivados a se organizar, planejar e realizar a ação favorita com mais frequência.
Participaram do estudo 33 idosos com depressão. Segundo Scazufca, os resultados foram animadores: mais de 80% dos que participaram do grupo de intervenção apresentaram melhora.
A pesquisa foi financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo), pelo Medical Research Council e pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e apoiada pela Prefeitura de São Paulo e pela Associação Saúde da Família.
TRATAMENTO
A psiquiatra Rita Ferreira, do programa terceira idade do IPq, que não participou da pesquisa, diz que o tempo que se leva para o diagnóstico impacta no tratamento. "Como em todas as doenças, se você identificar rapidamente, no início, há a possibilidade de um melhor resultado."
Segundo dados divulgados no final de fevereiro pela OMS (Organização Mundial da Saúde), há cerca de 300 milhões de pessoas vivendo com depressão no mundo, o que equivale a 4,4% da população mundial. Só no Brasil, são mais de 11 milhões de casos –quase 6% da população.
Até o início do estudo, somente cerca de 30% dos idosos participantes haviam sido diagnosticados com depressão. Rita diz que o preconceito é uma das principais razões pelas quais o diagnóstico da depressão é tão difícil. "Muitas vezes os doentes têm queixas que não são valorizadas pela família. As pessoas têm a ideia de que idoso é cheio de mania", diz.
Para a psiquiatra, remédios não são a única forma de controlar a depressão, mas apenas parte do tratamento. "Estimular o idoso para que ele faça alguma atividade física e procure os amigos também é método terapêutico."
Scazufca lembra que, apesar do bom resultado, é necessário ter uma amostra maior e mais diversa para validar o estudo piloto.
A pesquisa seguinte envolverá 1.440 idosos com depressão de cerca de 20 UBS (Unidades Básicas de Saúde) e também vai analisar os gastos do tratamento. "Não esperamos que o programa seja só efetivo, mas que tenha um custo razoável para o sistema de saúde", afirma ela.
APOSENTADORIA
Jerson de Jesus Nascimento, 73, não sabia direito o que estava acontecendo, mas se sentia em um "estado de nervos constante". "Às vezes os meus netos se aproximavam de mim e eu já ficava nervoso", diz ele, que participou do projeto-piloto.
Nascimento diz que a depressão –doença que, até experimentar na própria pele, não acreditava que existia– começou após a aposentadoria na construção civil. Segundo ele, não havia alegria, não existia prazer. "É uma das piores doenças que existem", diz ele.
O aposentado foi incentivado pelos agentes de saúde a sair e conversar com amigos, além de fazer pequenos trabalhos manuais de reparo e construção na própria casa. "Quando o sentimento começa a me apertar muito, eu saio e vou bater um papo com os amigos", afirma Nascimento. "Você começa a conversar e alivia."
A doença também atingiu Lodei Batista, 62, depois que ela foi obrigada a parar de trabalhar em seu carrinho de lanches por problemas de saúde. A situação foi agravada por causa de desentendimentos com a filha.
A recuperação de Batista foi auxiliada por uma coisa simples: plantas. Hoje, além do curso de construção que faz, a aposentada fala com orgulho de um abacateiro que ela plantou e que agora cresce em seu quintal.
"O abacateiro que me ajudou muito", diz. "Tirei o foco do problema pelo qual eu passava e foquei em algo que eu gostasse."