Medicamentos e produtos que levem em sua composição derivados de maconha, como bolos e biscoitos, podem ser importados por pessoas físicas e consumidos no Brasil, desde que haja prescrição médica e um termo de responsabilidade do paciente.
Atendendo a uma determinação da Justiça, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou nesta segunda-feira, 21, uma resolução em que retira o Tetrahidrocannabinol (THC) e o canabidiol (CDB), presentes na maconha, da lista de substâncias psicotrópicas de uso proscrito no País. A partir de agora, os produtos são considerados como substâncias sujeitas à notificação da receita.
A Anvisa vai recorrer da decisão. “Há um risco nesta medida, sobretudo em relação aos produtos que tragam em sua composição THC. Não há estudos sobre eficácia para uso terapêutico, muito menos sobre a sua segurança”, disse o diretor presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa. “Há estudos científicos em curso sobre os efeitos do THC, há um produto em análise para liberação no País com essa substância ativa. O perigo maior não está em aguardar a análise, mas em aprovar algo que não se sabe quais serão os efeitos.”
A medida da Justiça, uma antecipação de tutela, foi dada numa ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF). O MPF pede que, além da permissão da importação, seja permitido o plantio, a cultura e colheita da Cannabis para fins médicos e científicos. A medida autorizada pela Justiça não deixa claro se tais atividades são permitidas. Cita apenas a importação e prescrição médica de quaisquer espécies ou variedades da Cannabis.
A justificativa, dada pelo juiz da 16.ª Vara Federal, Marcelo Rebello Pinheiro, é de que pacientes não podem esperar. “Enquanto pendente a conclusão das análises sobre a segurança e a eficácia das substâncias e, assim, enquanto perdurar o pronunciamento definitivo pelas rés sobre o tema, milhares de brasileiros continuarão a sofrer intensamente, ou mesmo virem a óbito, em razão de doenças graves e degenerativas.”
‘Desastre’. A importação de medicamentos com canabidiol já é permitida no Brasil. A medida determinada pela Justiça amplia essa permissão para uso de produtos com THC, qualquer que seja a concentração. Atualmente, o uso do THC somente é permitido em estudos científicos, mediante autorização.
O professor da Universidade de São Paulo (USP) Anthony Wong classificou a medida como “um desastre”. Ele afirma haver vários estudos mostrando a eficácia do canabidiol, sobretudo para reduzir problemas relacionados a crises convulsivas. O mesmo não ocorre, no entanto, com o THC. “Muito do que se atribuía ao THC, descobriu-se agora, é fruto da ação do canabidiol”, completou.
Existem na maconha cerca de cem substâncias ativas, entre elas o THC, o canabidiol e o canabiol. “O THC tem efeitos psicogênicos, altera a consciência”, disse Wong. “Há um risco em seu uso, sobretudo quando se leva em consideração que serão permitidos produtos dos quais não se tem controle nenhum sobre teor e, portanto, efeitos do THC”, completou.
Comemoração. Norberto Fischer, pai de Anny, a primeira paciente que teve pela Justiça o direito garantido de importar canabidiol – abrindo espaço para que, meses depois, o produto tivesse seu uso terapêutico liberado pela Anvisa –, comemorou a decisão.
“Quando passamos a discutir o uso do canabidiol, pouco se sabia também. Foi preciso pressionar para que autoridades médicas olhassem de forma mais atenta para o assunto.”
Fischer acha importante que o mesmo caminho seja trilhado pelo THC. “Não estamos aqui falando de uso recreativo, mas terapêutico. Ele deve ser discutido, avaliado, garantido.”
A lista de indicações, de acordo com ele, é extensa: pacientes com dores, em tratamento para câncer. Wong, no entanto, acha que para esses casos há opções mais seguras e já comprovadas pela eficácia. “Há outras drogas potentes. Por que usar algo que não se sabe ao certo quais são os efeitos? Um biscoito que leva THC pode provocar efeitos psicotrópicos.”