O Supremo Tribunal Federal (STF) está incumbido de dar vida ou enterrar definitivamente três esqueletos que, nos cálculos mais alarmistas, podem tomar a forma de R$ 422 bilhões: a correção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pela inflação, as perdas dapoupança causadas pelos planos econômicos e a desaposentação – possibilidade de renunciar a uma aposentadoria para tentar uma mais vantajosa.
Todos decorrem de decisões políticas tomadas no passado, geraram cerca de 422 mil processos, e chegaram à mais alta Corte do Brasil nos anos 2000 – a última, na semana passada.
“Até o passado no Brasil é incerto, e isso não é algo muito positivo [para a economia do País]”, afirma o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV), Fernando de Holanda Barbosa Filho, sobre as perdas da poupança, cujo julgamento será retomando na semana que vem.
No caso, os poupadores alegam ter sido prejudicados pelos planos Verão, Bresser e Collor 1 e 2, editados pelo governo para coibir a superinflação. A ideia até era certa. O problema foi a forma como foi efetivada, avalia Rodrigo De Losso da Silveira Bueno, professor associado do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP).
“Com os planos, o que a gente resolveu fazer: vamos corrigir por 50% da inflação do período e não 100%. Do ponto de vista econômico, isso é justo. Mas por uma falha de comunicação, não é visto como justo”, afirma o economista.
Caso o STF decida a favor dos poupadores, o Banco Central (BC) estima que a conta ficará em R$ 150 bilhões e deverá ser arcada pelos bancos. Esses, porém, muito provavelmente, as instituições financeiras buscariam ser indenizadas pelo governo, com o argumento de que apenas cumpriram a legislação.
“O governo diz que [a adoção dos planos] foi para garantir a estabilidade, evidentemente prejudicando parte da correção monetária. Os que tiveram prejuízo decorrente dessa manipulação entendem que o governo é sempre responsável. Pela Constituição, o governo é sempre responsável”, afirma o jurista Ives Gandra Martins, sobre os poupadores.A mudança do FGTS também está relacionada às políticas para controlar a alta de preços. A Taxa Rerencial (TR), criada em 1991 para substituir a inflação como critério atualização monetária, passou a ser usada para fazer a correção dos saldos do fundo. Desde 1999, entretanto, a taxa tem ficado muito abaixo da inflação, o que leva à corrosão do poder de compra do dinheiro do trabalhador.
Depois que o STF decidiu, em março do ano passado, que a TR não serve como índice de correção de precatórios (dívidas judiciais do governo com a população), milhares de trabalhadores foram à Justiça para pedir a aplicação do mesmo entendimento ao FGTS. Até janeiro deste ano, a Caixa Econômica Federal já era alvo de 39 mil ações.
Na semana passada, o partido Solidariedade, de oposição, apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a TR e a favor de um índice inflacionário. Nos cálculos do Instituto FGTS Fácil, a troca resultaria num esqueleto de R$ 203,4 bilhões para o governo, e num reajuste de cerca de 102,3% para saldos que estavam em vigor em janeiro de 1999.
Os economistas Bueno e Barbosa Filho entendem que a fórmula deve, de fato, ser corrigida, mas questionam o pagamento retroativo.
“[O rendimento com a fórmula atual] é de fato um rendimento negativo para o trabalhador”, afirma Barbosa Filho, do Ibre/FGV. “[Mas] talvez fosse mais racional discutir para a frente: fazer o cálculo de forma retroativa, como as coisas tendem a ser feitas, podem gerar problemas muito graves.”
Desaposentação é a ameaça mais real para o governo, vê economista
A desaposentação também surge de um problema na legislação, avalia Bueno, da USP. Em 1999, o governo criou o fator previdenciário, um pedágio que reduz o benefício de acordo com a idade e o tempo de contribuição do trabalhador.
O objetivo da medida era desestimular aposentadorias precoces, mas os trabalhadores continuaram a se aposentar cedo. Como continuavam a trabalhar e a contribuir para a Previdência, foram à Justiça para pedir um recálculo do benefício com base nas novas condições.
O caso gerou 24 mil ações, das quais duas chegaram ao STF, onde o ministro Marco Aurélio de Mello já deu voto favorável. Nos cálculos oficiais, se o Tribunal der o sinal verde para a medida, a Previdênica terá um impacto de R$ 69 bilhões no longo prazo. Assim como o caso do FGTS, não há prazo para o julgamento
Para Bueno, é justamente nesse caso que reside a maior ameaça para o governo.
“O FGTS vai virar precatório. Você vai receber daqui a três gerações se isso acontecer de verdade, então não preocupa tanto. No caso da desaposentação é imediato", afirma. "No caso da poupança dos bancos se eles perderem eles vão negociar os pagamentos [aos poupadores] num prazo meio longo e aí vão entrar contra o governo em seguida. E aí vai ser uma batalha jurídica que vai durar vários anos."