Encarregado de traçar a estratégia da política econômica para um eventual segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, descartou a necessidade de reformas estruturais como a da Previdência Social, adiantou que caberá ao governo em 2015 fazer um ajuste fiscal nos moldes de 2011, declarou que é contra uma maior abertura da economia e explicou que a reforma tributária está em curso e a mudança do ICMS será o próximo passo. Já a reforma do PIS-Cofins, que custaria cerca de R$ 15 bilhões, ficará para quando houver espaço no Orçamento, informou.
Em entrevista ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, Mantega definiu as grandes linhas que devem orientar a economia. "Nossa estratégia de desenvolvimento é clara. É importante continuar com a política de estímulo ao investimento e ao emprego, manter a política industrial, com as exigências de conteúdo nacional e as compras governamentais, e ampliar o programa de concessões para obras de infraestrutura". Às críticas de falta de horizontalidade da política industrial, ele responde que o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) é para todos.
O ministro acredita que o país está às portas de um novo ciclo de desenvolvimento, centrado na expansão do investimento, no aumento da oferta de infraestrutura, na melhoria da educação e na inovação.
Segundo ele, em 2015 o governo terá que fazer um ajuste fiscal parecido com o de 2011, quando contingenciou R$ 50 bilhões do Orçamento. Naquele ano o governo executou um superávit primário de 3,1% do PIB, meta que Mantega considera inviável nos dias de hoje. "Vamos ter que segurar a despesa", adiantou, afirmando que a meta de superávit primário para o próximo ano será a que está prevista no Orçamento, entre 2% e 2,5% do PIB, suficiente para reduzir a dívida líquida como proporção do PIB.
"Quando a economia crescer mais de 3% ao ano podemos voltar a ter meta de superávit de 3% do PIB", disse o ministro.
A partir do compromisso fiscal, ele acredita que o Banco Central poderá reduzir a taxa Selic (de 11% ao ano) e operar com uma política monetária mais flexível, mudando, assim, o mix da macroeconomia. "Hoje a política monetária está muito rigorosa" e, consequentemente, falta crédito e isso está "segurando a economia". Ele cita sobretudo a escassez de crédito para o consumo, que é ofertado prioritariamente pelos bancos privados. Aliás, executar uma política monetária restritiva em ano eleitoral é, para Mantega, a prova cabal da autonomia do Banco Central, tema que entrou no debate eleitoral.
O ministro parte do pressuposto de que o maior problema do país, hoje, é o baixo crescimento da economia mundial e ancora a estratégia de desenvolvimento à retomada do crescimento na zona do euro e nos Estados Unidos.
Ele acredita que um aumento da taxa de juros americana, esperado para 2015, pode produzir alguma instabilidade cambial e pressionar a inflação doméstica. Mas, se a normalização da política monetária nos Estados Unidos ocorrer simultaneamente a um crescimento mais forte nos países desenvolvidos, as exportações brasileiras vão reagir e dar um novo dinamismo à atividade interna.
Mantega não vê necessidade de reforma da Previdência Social em um eventual segundo mandato de Dilma. "O buraco da Previdência está diminuindo e, no momento, não se coloca a reforma" do Regime Geral da Previdência Social, assegurou. "Nós já fizemos a reforma da previdência pública que vai cortar o déficit pela metade."
Também não adiantou se o governo vai mudar as regras de acesso ao seguro-desemprego e ao abono salarial, tornando-as mais restritivas para reduzir o ritmo de crescimento de ambas as despesas. "Não vamos tirar direitos dos trabalhadores", argumentou, alegando que esse assunto continua sendo tratado com as centrais sindicais e sujeito a aperfeiçoamento.
Juntos, abono salarial e seguro-desemprego somaram R$ 39,95 bilhões em 2012, saltaram para R$ 46,56 bilhões em 2013. Em um período onde o mercado de trabalho está em quase pleno emprego, o seguro-desemprego aumentou de R$ 27,6 bilhões para R$ 31,9 bilhões, ou seja, 15,5% na mesma comparação. Mantega não menciona quais gastos cortar em 2015 para recompor a meta fiscal. "Será preciso segurar a despesa de modo geral", disse.
Desmontar a política industrial, nem pensar. E uma nova rodada de abertura da economia, para ele, seria desastrosa. "Se abrirem a economia não sobra um tijolinho da nossa indústria", afirmou o ministro.
O governo trabalha, com o setor industrial, em medidas para melhorar a performance das exportações. "Estamos discutindo uma agenda para melhorar a competitividade e a produtividade", disse o ministro, sem oferecer maiores detalhes. Na próxima segunda-feira haverá um encontro com os principais representantes da indústria exportadora, em São Paulo. "Para eles, interessa câmbio e uma série de outras coisas, como desburocratização, reforço ao financiamento que já demos, com mais R$ 170 milhões do Proex".
Interessa, também, a reforma tributária. O ministro disse que o próximo passo será a do ICMS, discussão que ele espera retomar após as eleições. A do PIS-Cofins está pronta, mas custaria uns R$ 15 bilhões e a situação fiscal não permite fazê-la agora.
Mantega torce para a recuperação da economia mundial e defende mudança na política do Banco Central Europeu (BCE), que precisaria ser muito mais agressiva e keynesiana. Para ele, isso será necessário, porque mais um ano de crescimento baixo poderá "derrubar muitos governos no mundo" por insatisfação popular. "O cenário externo é fundamental", reitera ele, condicionando o crescimento do Brasil a um melhor desempenho dos países ricos.
E como o governo recuperaria a confiança em um eventual segundo mandato, sem o quê dificilmente haverá expansão dos investimentos e retomada do crescimento? O ministro responde que o ingresso de US$ 67 bilhões de investimento estrangeiro direto em 12 meses até agosto, divulgado ontem pelo Banco Central, é prova inconteste de que o investidor externo está confiante.
De resto, os níveis de confiança dos empresários e consumidores caíram nos países emergentes, porque caiu a taxa de crescimento e, na Alemanha, os índices de confiança estão em queda há oito meses consecutivos. Portanto, esse não é um problema exclusivo do governo Dilma, afirma Mantega.
Fonte e foto: Valor Econômico