A menos de uma semana do primeiro turno das eleições, é desanimadora a falta de propostas concretas dos nossos candidatos à Presidência para a saúde, o principal problema nacional.
O ponto central das discussões, a batata quente, é o aumento de verbas públicas para o setor. O Brasil investe pouco mais de 4% do PIB em saúde, quase a metade do que aplica o Reino Unido (7,69%), país no qual se inspirou para criar o SUS, há 26 anos. A participação da saúde na receita da União está em 6,9%. Na década passada, era de 8%.
Como já bem retrataram meus amigos Gustavo Patú e Johanna Nublat, a expansão das verbas da saúde foi comprometida, nos últimos anos, pela escolha da administração petista de priorizar os programas de transferência direta de renda às famílias.
O subfinanciamento na área resultou na criação de um projeto de iniciativa popular, que reuniu 2,2 milhões de assinaturas pedindo mais verbas para saúde (10% da receita federal). Mas o projeto original já sofreu diversas alterações na Câmara dos Deputados, entre elas a redução dos valores propostos.
Dos três candidatos, só Marina Silva se comprometeu, no seu programa de governo, a aumentar os gastos federais para 10%. Aécio Neves disse que vai apoiar essa proposta ou "política similar". A presidente Dilma Rousseff (PT) simplesmente se calou sobre isso. Talvez porque o seu próprio governo já tenha dito que o aumento seria inviável.
Inviável é continuar do jeito que as coisas estão. No último fim de semana, em entrevista à "BBC Brasil", o médico cubano Juan Delgado, que foi xingado de escravo e virou símbolo do programa Mais Médicos, disse que está tendo dificuldades para marcar consultas com especialistas e agendar exames para seus pacientes no interior do Maranhão. Bem-vindo, hermano! Essa realidade os nossos médicos do SUS já estão cansados de conhecer.
Culpados
Decisões políticas à parte, acho que nós, brasileiros, temos a nossa parcela de culpa pelo estado em que chegou a saúde pública. A maioria de nós não faz ideia do que o SUS significa de fato. Do contrário, o defenderíamos com unhas e dentes e exigiríamos melhorias, como o fazem os britânicos, que consideram o seu sistema público de saúde (NHS), com quase 70 anos, um dos símbolos de orgulho nacional.
O NHS também é financiado por impostos federais. A maioria dos serviços é gratuita, com exceção de alguns tratamentos dentários e oftalmológicos e da distribuição de medicamentos, para os quais estão previstas taxas, pagas pelos usuários. Só 12% da população do país possui planos de saúde (no Brasil, são 26%).
A diferença é que lá a classe média, que tem mais "poder de reclamação", usa o NHS. Aqui, o sonho de consumo de todo mundo é ter um bom plano de saúde (ainda que grande parte deles seja uma porcaria). Para a grande parte da nossa classe média, o SUS e suas filas intermináveis são uma realidade distante, às vezes só conhecida por meio de matérias sensacionalistas na TV.
O que a gente esquece é que um plano de saúde é um bem de consumo, regulado pelas leis de mercado. Hoje eu tenho, amanhã posso não ter mais.
A saúde pública, o SUS, é um direito, uma conquista social nossa, ninguém pode tirar. Sim, ele tem muitos problemas, mas reúne enormes avanços desde a sua criação. Precisamos de muito mais, sem dúvida. Mais dinheiro, mais gestão, mais eficiência. Mas isso não cairá do céu. Precisamos brigar por mudanças.
* Por Cláudia Collucci
Fonte: Folha de S.Paulo